Recato em todos os atos

“Um Gabai Tzedaká (pessoa que recolhe dinheiro para distribuir aos necessitados) foi certa vez até a casa de um homem muito rico para pedir dinheiro para sua organização, que distribuía comida de Shabat para famílias carentes. O homem rico, após ouvir a diferença que sua doação poderia fazer para muitas famílias necessitadas, ofereceu doar quinhentos dólares, mas com a condição que o Gabai revelasse o nome das pessoas para quem o dinheiro iria. O Gabai se desculpou, afirmando que a organização não divulgava a identidade das pessoas que eram ajudadas. O homem rico ainda tentou insistir, aumentando a oferta de doação para mil dólares, mas exigindo em troca saber quem estaria desfrutando do Shabat por causa de sua doação. Novamente o Gabai se desculpou e se negou a lhe dar este tipo de informação. O homem rico então se exaltou e falou em voz alta e firme:
 
– Escute, vou doar dez mil dólares para sua organização, mas com uma condição: eu tenho o direito de saber quem eu estou ajudando com o meu dinheiro!
 
– Nós nunca divulgamos e nunca divulgaremos as identidades das pessoas que nós ajudamos – respondeu o Gabai, sem perder a calma – Você pode me oferecer até mesmo um milhão de dólares, e ainda assim eu não vou revelar a você para quem o seu dinheiro está indo.
 
Ao escutar a resposta do Gabai, o homem rico baixou a voz e disse, quase sussurrando:
 
– Agora eu vejo que posso realmente confiar em você. Por favor, me coloque na sua lista de pessoas que necessitam ser ajudadas. Todos pensam que eu ainda sou rico, mas na realidade eu perdi todo o meu dinheiro no mercado de ações. Eu tinha vergonha de te procurar, pois não queria que as pessoas ficassem sabendo. Mas agora eu sei que vai ser realmente mantido em segredo…”
 
É muito importante desenvolver nossa sensibilidade com o próximo e controlar o que falamos, mesmo que a consequência seja perder oportunidades ou até mesmo dinheiro (História Real).

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Nesta semana lemos a Parashá Tetzavê, que descreve as roupas que os Cohanim (sacerdotes) e o Cohen Gadol (Sumo sacerdote) utilizavam durante os Serviços Divinos feitos no Mishkan (Templo Móvel). E na próxima 4ª feira de noite (04 de março) começa a festa de Purim, na qual relembramos a incrível salvação do povo judeu nos dias de Mordechai e Esther. Haman, descendente do povo de Amalek, o maior inimigo do povo judeu, havia decretado a “Solução Final” dos judeus da Pérsia, mas D'us, de forma oculta, nos salvou. Normalmente a festa de Purim coincide com a Parashá Tetzavê. Qual a conexão entre elas?
 
A Meguilat Esther, que conta a história de Purim, é composta por vários acontecimentos que isoladamente parecem irrelevantes, mas quando conectados demonstram que tudo estava sendo orquestrado de forma magistral por D'us. A história descreve o exílio do povo judeu na época do Rei Achashverosh, o governador do Império Persa. Após ser desacatado por sua esposa, a rainha Vashti, o Rei Achashverosh decidiu matá-la e coroar outra rainha em seu lugar. Centenas de jovens foram levadas ao palácio real para um concurso, e entre elas estava Esther, uma moça judia. Mas a Meguilá nos conta um detalhe interessante: Esther não quis revelar sua origem e seu povo. Por que ela guardou este segredo?
 
A resposta está em um pequeno detalhe da Parashá Tetzavê. Uma das oito roupas que o Cohen Gadol usava chamava-se “Choshen” (Peitoral), e era composta por engastes de ouro nos quais eram colocadas 12 pedras preciosas, onde cada pedra representava uma das tribos de Israel. Segundo o Midrash (parte da Torá Oral), a última pedra do “Choshen”, chamada de “Yashpe” (jaspe), estava relacionada com a Tribo de Biniamin. O Midrash explica que o nome “Yashpe” é uma contração das palavras “Yesh” e “Pe”, que literalmente significam “tem boca”. Por que justamente esta pedra preciosa foi escolhida para representar a Tribo de Biniamin? Pois seu nome reflete um louvável traço de caráter demonstrado por Biniamin, um dos filhos de Yaacov. O Midrash nos conta que, apesar de Biniamin saber que seu irmão Yossef havia sido vendido como escravo por seus próprios irmãos, ele nunca revelou isto para seu pai. Portanto, ele foi louvado pelo seu silêncio.
 
Porém, este ensinamento do Midrash levanta alguns questionamentos. Em primeiro lugar, se Biniamin estava sendo louvado pelo seu silêncio, por que a pedra preciosa que o representava era chamada de “Yashpe”, que significa “tem boca”? Não seria mais apropriado o nome da pedra ser “Einpe”, que significa “não tem boca”? E que bom traço de caráter Biniamin demonstrou através do seu silêncio?
 
Explica o Rav Yochanan Zweig que para entender qual é o bom traço de caráter de Biniamin precisamos observar o comportamento de sua mãe, Rachel, quando ela estava em um momento de enorme pressão. O Talmud (Meguilá 13b) nos ensina que quando Yaacov decidiu casar-se com Rachel, ele suspeitou que seu sogro Lavan utilizaria todos os tipos de artimanhas e malandragens para  substituir Rachel por sua irmã Lea. Como medida preventiva, Yaacov deu a Rachel uma senha secreta que a identificaria na noite do casamento. Mas ao levar em consideração a humilhação pública que sua irmã passaria, Rachel revelou para Lea a senha secreta, permitindo que a enganação de Lavan tivesse sucesso. O Talmud identifica o comportamento de Rachel como um exemplo de “Tzniut” (recato), e afirma que por causa desta “Tzniut” ela meritou grandes descendentes que também demonstraram atos exemplares de “Tzniut”. O Talmud cita como exemplo a rainha Esther, que demonstrou sua “Tzniut” ao não revelar sua origem e seu povo durante o concurso de escolha da nova rainha. Mas o que o ato de Rachel, e principalmente o de Esther, tem a ver com “Tzniut”?
 
Normalmente “Tzniut” é definido como sendo um “código de recato”, que determina a forma de como vamos nos vestir e nos comportar. Olhamos a “Tzniut” como uma obrigação apenas na área de “Bein Adam LaMakom” (entre a pessoa e D'us). Porém, o Talmud está aumentando a abrangência do conceito de “Tzniut”, incluindo na exigência de recato também obrigações na área de “Bein Adam Lehaveiró” (entre a pessoa e seu semelhante), isto é, dando à “Tzniut” uma responsabilidade social.
 
As leis de “Tzniut” exigem que a pessoa viva de uma maneira que ela não invada o espaço dos outros. Nossas ações devem ser medidas em termos de como elas vão impactar os outros, e isto deve levar em consideração a sensibilidade de cada um. A maneira de se vestir exigida pela Halachá (Lei judaica) não é ditada apenas por quanto do nosso corpo deve estar coberto, mas também leva em conta a consciência social de que se vestir de uma maneira provocativa pode ser um ataque à sensibilidade dos outros. Roupas que atendem às especificações “Haláchicas” em termos do comprimento das peças ainda assim podem transgredir as leis de “Tzniut” se forem roupas que chamam muita atenção.
 
Mas permanecer dentro do nosso próprio espaço e não invadir o espaço dos outros não se aplica apenas ao vestuário. A fala é uma área na qual temos muita dificuldade para levar em consideração a sensibilidade dos outros. Frequentemente nós falamos por causa do benefício que teremos com o que estamos dizendo, mas não percebemos que podemos estar causando danos aos outros com o conteúdo, o volume de voz e o quanto nos alongamos nas nossas conversas.
 
Todos os exemplos de “Tzniut” atribuídos à nossa matriarca Rachel e seus descendentes envolvem o domínio sobre as palavras pronunciadas. No caso de Rachel, foi ressaltado o fato de ela ter conseguido o discernimento do tempo correto para divulgar informações importantes. Em relação aos seus descendentes, foram ressaltadas suas habilidades de se abster de revelar informações, mesmo envolvendo custos pessoais. De acordo com o Rav Yochanan Zweig, o motivo de Esther não ter revelado sua origem foi porque ela tinha uma ascendência real, era descendente direta de Shaul Hamelech, o primeiro rei de Israel. Ela entendeu que revelar esta informação colocaria as outras participantes do concurso em desvantagem, e por isso ficou quieta. Assim Esther demonstrou que havia herdado de Rachel as características de “Tzniut”, isto é, a sensibilidade com o próximo mesmo quando isto envolve uma perda pessoal.
 
E onde vemos a “Tzniut” de Biniamin? Uma pessoa que passou por uma experiência terrivelmente traumática frequentemente é incapaz de falar abertamente sobre o tema, pelo medo que, ao trazer novamente o assunto à tona, isto causará com que a experiência negativa seja reavivada. Uma das formas de superar este medo é conversando com uma pessoa que se preocupa com ela, pois isso ajuda a aliviar um pouco o peso do trauma. Biniamin certamente passou por uma experiência tremendamente traumática quando seu único irmão materno, Yossef, foi vendido como escravo por seus irmãos paternos. Foi uma perda irreparável para Biniamin, e o único com quem ele poderia dividir seus sentimentos era seu pai. Mesmo assim, o Midrash nos ensina que ele se conteve e não falou nada para seu pai.
 
Ao atibuir a “Yashpe” como a pedra preciosa que representa Biniamin, a Torá está atestando que o motivo pelo qual Biniamin não contou ao seu pai sobre o destino verdadeiro do seu irmão não foi o resultado de sua inabilidade de lidar com o seu trauma. Ao contrário, a Torá ressalta que “Yesh pe”, “tem boca”, isto é, Biniamim tinha todas as condições psicológicas de lidar com seu trauma e contar tudo o que sabia para o seu pai. Embora ele certamente obteria um enorme benefício emocional ao desabafar com seu pai, a consciência da dor que seu pai sentiria quando ficasse claro para ele o terrível ato de seus filhos fez com que Biniamin decidisse permanecer calado. Esta sensibilidade aguçada de proteger os outros da dor, mesmo que o preço seja um sacrifício pessoal, deriva da perfeição do traço de caráter de “Tzniut” que Biniamin herdou de sua mãe.
 
Da Parashá aprendemos que tão importante quanto a “Tzniut” das nossas roupas é a “Tzniut” das nossas bocas. Precisamos nos cuidar muito com o que falamos, como falamos e porque falamos, para que nossas palavras não sejam piores do que o nosso silêncio.

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