“Quando o pequeno Moishe foi ao banco pela primeira vez com seu pai, observou que o homem que trabalhava no caixa entregava muito dinheiro a um cliente e recebia uma quantia grande de outro. Ele encantou-se com a quantidade de dinheiro que passava pelo caixa. Ao sair, virou-se para o pai e disse:
– Aquele homem por trás do balcão deve ser um milionário. Viu só quanto dinheiro ele tem?
– Não é bem assim – disse o pai – Você e eu talvez sejamos mais ricos do que ele. O dinheiro que ele recebe e entrega não lhe pertence, é do banco. Se ele abusar deste privilegio e entregar ou guardar um real a mais, pode perder seu emprego e o privilegio de lidar com o dinheiro. Ele deve sempre ter em mente a origem do dinheiro e a quem ele realmente pertence.”
Assim também devemos olhar a vida. Nossos talentos e as riquezas que acumulamos são nossos somente porque D'us nos deu, para utilizarmos no nosso trabalho espiritual. Mas se esquecermos de que Ele é o verdadeiro Dono e fizermos mau uso das nossas conquistas, podemos acabar perdendo tudo.
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Nesta semana lemos a Parashá Noach, que descreve dois episódios que mudaram a história da humanidade: o grande dilúvio que ocorreu nos dias de Noach (Noé) e que destruiu o mundo inteiro, e a construção da Torre de Bavel, que marcou o início da mistura das línguas no mundo. E estes dois eventos têm um importante ponto em comum: tanto o dilúvio quanto a mistura das línguas foram castigos aplicados por D'us por causa de erros que a humanidade estava cometendo.
Na geração do dilúvio, a humanidade havia se corrompido e se desviado dos caminhos corretos, e transgressões como o roubo e a promiscuidade se tornaram comuns. Já o erro da Torre de Bavel foi a própria construção da torre, como está escrito: “Venham, vamos construir para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue aos céus” (Bereshit 11:4). Mas o que há de tão mal em construir uma torre que chegue até o céu? Rashi (França, 1040 – 1105), comentarista da Torá, explica que eles queriam chegar até o céu para lutar contra D'us. Porém, quem em sã consciência tentaria lutar contra o Criador do Universo? Por que aquela geração cometeu um erro assim tão grave?
Há ainda outra pergunta que surge quando prestamos atenção em um dos primeiros versículos que descrevem a construção da Torre de Bavel: “Venham, vamos fazer tijolos e queimá-los no fogo. E o tijolo servirá como pedra, e o betume servirá com argamassa” (Bereshit 11:3). Sabemos que a Torá não gasta nem mesmo uma letra de maneira desnecessária. Se o problema da Torre de Bavel era uma rebeldia contra D'us, então qual a importância de sabermos com que materiais a torre foi construída? E por que ressaltar que foi utilizado o tijolo ao invés da pedra?
Explica o Rav Yohanan Zweig que neste pequeno detalhe está a chave para entender qual foi a fonte do erro que aquela geração cometeu. Apesar de parecer apenas um detalhe construtivo, há uma diferença crucial entre uma casa construída com pedras e uma casa construída com tijolos. As pedras utilizadas nas construções eram retiradas de pedreiras naturais. Quando uma pessoa vive em uma casa de pedras, ela sente que está vivendo no mundo de D'us, pois está cercada por materiais que vêm diretamente da natureza, com pouca intervenção humana. Já quando uma pessoa fabrica tijolos e os utiliza para construir sua casa, ela pode ter a sensação de que sua moradia é desconectada de D'us, pois foi ele próprio o responsável por processar os materiais utilizados na construção.
O propósito da Torre de Bavel era ir contra o Criador do mundo, tentando negar Seu controle sobre todo o universo e atribuindo ao ser humano o poder de controlar o mundo. Isto é ressaltado pelo versículo inicial sobre a construção da Torre de Bavel: “E toda a terra tinha apenas uma linguagem e um propósito comum” (Bereshit 11:1). Rashi explica que a expressão “Dvarim Achadim” (propósito comum) tem um significado mais profundo. A palavra “Achadim” vem da mesma raiz que a palavra “Ichud”, que significa “unicidade”. Isto quer dizer que os seres humanos estavam querendo anular o “Ichudo Shel Olam”, isto é, a noção da Unicidade de D'us, o único e verdadeiro Poder que controla todo o universo. E por que isto aconteceu justamente naquela geração? Pois quando eles começaram a alcançar avanços tecnológicos, acharam que podiam controlar o mundo. Por isso chegaram ao ponto de construir uma torre gigantesca para lutar contra D'us.
Explica o Rav Avraham ben Meir (Espanha, 1092 – 1167), mais conhecido como Ibn Ezra, que o versículo “e o tijolo servirá como pedra” demonstra que as pessoas intencionalmente deram preferência ao uso do tijolo, refletindo a percepção daquela geração de que eles estavam vivendo em um mundo em que eles mesmo haviam criado, na ilusão de que D'us não mais exercia Sua autoridade sobre o mundo.
Infelizmente nós muitas vezes cometemos os mesmos erros das gerações anteriores, e nos deixamos cegar pelos avanços tecnológicos da humanidade. Quanto mais o ser humano progride em suas buscas tecnológicas, mais ele se torna propenso a perder de vista que D'us é a única autoridade no mundo. Ao invés de utilizarmos os avanços tecnológicos para nos conectarmos a D'us, utilizamos para procurar novos fenômenos que possam explicar um mundo sem Ele.
O próprio nome dado a Noach traz este conceito. Noach vem da mesma raiz de “Menuchá”, que significa “descanso”. Por que o pai de Noach deu a ele este nome? Explicam nossos sábios que desde o erro de Adam Harishon, a terra havia sido amaldiçoada. Quando o trigo era plantado, ao invés de nascerem espigas, praticamente nasciam apenas espinhos. Mas o pai de Noach sabia que a maldição se aplicaria com toda a sua força apenas enquanto Adam estava vivo. Noach foi o primeiro ser humano a nascer depois da morte de Adam e, portanto, seu pai sabia que seu nascimento marcaria uma época de descanso e tranquilidade ao mundo. E Noach realmente fez uma grande diferença, pois inventou equipamentos agrícolas, desenvolveu novas técnicas e facilitou o trabalho no campo.
Porém, a Torá nos ensina que foi justamente a geração de Noach, aquela geração que usufruiu dos benefícios dos primeiros avanços tecnológicos, que foi destruída no terrível dilúvio que quase apagou a humanidade da face da Terra. Por que? Pois eles também não souberam utilizar os avanços tecnológicos para se conectarem com D'us. Com as novas técnicas e equipamentos, as pessoas precisavam trabalhar menos. Mas ao invés de fazer algo construtivo com o tempo livre que surgiu, as pessoas acabaram utilizando-o para pensar em besteiras, se corrompendo e chegando a grandes desvios.
Se o mal uso das tecnologias já foi suficiente para desviar a geração de Noach, muito maior deve ser o nosso cuidado, pois vivemos em um tempo no qual os avanços tecnológicos praticamente nos atropelam. Nos 200 anos após a Revolução Industrial foram feitas mais invenções do que nos 5 mil anos anteriores. Estamos agora em uma nova fase, a Revolução Digital, na qual as mudanças são ainda mais frenéticas. Quando compramos um celular novo, no dia seguinte já há um novo modelo, como uma nova função que até ontem não existia. Em todas as áreas vemos mudanças constantes. Mas será que utilizamos estas melhorias para o bem? As tecnologias cada vez mais nos isolam, criando verdadeiros “casulos” dentro das casas. Atualmente não há mais momentos em família, pois cada um tem a sua televisão, seu computador e seu celular, fazendo que as pessoas vivam na mesma casa mas, ao mesmo tempo, em mundos independentes.
Outro perigo das grandes e frenéticas evoluções tecnológicas é novamente cairmos no erro de pensar que o ser humano está no controle das coisas. Isto é apenas uma grande ilusão, pois a verdade é que D'us está no comando. É Ele quem permite as novas descobertas e é Ele quem faz com que as pessoas tenham novas ideias. Portanto, se soubermos utilizar as novas tecnologias da maneira correta, elas podem nos trazer Brachót (Bençãos). Mas aprendemos de Noach e da Torre de Bavel que utilizar as novas tecnologias da maneira incorreta pode nos trazer muitos sofrimentos e dificuldades.