Respeitando o próximo

“Depois de alguns meses se conhecendo, Joel e Miriam ficaram noivos. Eles não cabiam em si de contentamento, pois sentiam que finalmente haviam encontrado suas metades. Como ainda estavam se conhecendo, combinaram de fazer um passeio em um parque no alto da cidade, um lugar com uma vista maravilhosa. Após passearem e conversarem muito, ao perceberem que estava anoitecendo, decidiram voltar. Foi então que Miriam comentou com Joel que a lua havia sumido. Muito romântico, Joel respondeu:
 
– A lua deve ter ficado envergonhada diante da sua beleza e por isso se escondeu.
 
Miriam se sentiu lisonjeada com a resposta tão galanteadora do seu noivo. Que homem educado e delicado. Havia ganhado um prêmio de loteria ao ter conhecido alguém assim tão especial. Alguns meses depois eles se casaram e, com o tempo, começaram a se conhecer cada vez mais e a ganhar intimidade. Após alguns anos de casamento, Miriam quis resgatar um pouquinho do romantismo da época de noivado. Ela convidou Joel para passear naquele mesmo parque. No final do passeio, quando já estava anoitecendo, novamente Miriam virou-se para Joel e comentou que a lua havia desaparecido. Ele então virou-se para ela e disse:
 
– Sua tonta, você não percebeu que hoje está nublado???”
 
Apesar de ser uma piada, muitas vezes a convivência com as pessoas faz com que deixemos de tratá-las com o devido respeito. Temos que nos cuidar muito, principalmente com as pessoas mais próximas, para nunca ofender ou destratar ninguém, em especial as pessoas mais queridas. 

 

Na Parashá desta semana, Beshalach (literalmente “Quando enviou”), finalmente o povo judeu saiu em liberdade, acabando com 210 anos de uma brutal escravidão. Mas a alegria do povo judeu durou pouco, pois logo o Faraó se arrependeu de ter libertado seus escravos e saiu em sua perseguição. Os judeus se viram presos no meio do deserto, com o Mar Vermelho diante deles e os egípcios fortemente armados se aproximando ameaçadoramente. D'us então fez o grande milagre da abertura do mar, para que os judeus pudessem passar com segurança em terra firme, e depois fechou-o sobre os egípcios, matando-os e deixando seus corpos expostos na praia, para que os judeus pudessem se sentir livres de verdade ao ver seus opressores mortos.
 
Quando os judeus viram o grande milagre e salvação que D'us havia feito, se sentiram tão felizes que de seus corações saiu um cântico de agradecimento, o “Shirat Haiam” (Cântico do Mar). A abertura do mar foi um incrível momento de revelação e proximidade de D'us. Dentro deste Cântico estão as seguintes palavras de louvor: “Este é o meu D'us e eu O exaltarei” (Shemot 15:2). A explicação mais simples é que as pessoas puderam ter uma visão mais clara de D'us durante aquele milagre e puderam reconhecer toda a Sua bondade.
 
O Talmud (Shabat 133b) aprende outro ensinamento deste versículo. A palavra “Anvehu”, que significa “Eu O exaltarei”, vem da mesma raiz da palavra “Noi”, que significa “Beleza”. O Talmud nos ensina que este versículo é uma exigência de nos esforçarmos para cumprir as Mitzvót de D'us da maneira mais agradável esteticamente. Por exemplo, quando cumprimos a Mitzvá de “Arbaat HaMinim” (4 espécies), devemos procurar um Lulav de aparência bonita. Também quando construímos uma Sucá e adquirimos um Talit, devemos nos esforçar para que eles sejam visualmente bonitos. De acordo com o Rabeinu Bechaya zt”l (Espanha, 1255 – 1340), este embelezamento das Mitzvót é uma maneira através da qual nós podemos demonstrar o nosso amor por D'us.
 
Porém, esta explicação parece ser contraditória com um conceito ensinado pelo Rav Moshe Chaim Luzzato zt”l (Itália, 1707 – Israel, 1746), mais conhecido como Ramchal, em seu livro “Messilat Yesharim” (Caminho dos Justos). Ele divide o Serviço Divino em duas categorias: “Ahavat Hashem” (Amor a D'us) e “Irat Hashem” (Temor a D'us). Dentro do amor a D'us ele incluiu a alegria no cumprimento das Mitzvót. Sob a categoria de temor a D'us ele incluiu a submissão perante D'us e honrar as Mitzvót. Ao explicar o conceito de honrar as Mitzvót, o Ramchal traz justamente o mesmo ensinamento do Talmud que nos incentiva a embelezarmos as Mitzvót. Portanto, de acordo com o Ramchal, o embelezamento das Mitzvót estaria incluído dentro da categoria de “temor a D'us”. Porém, não seria muito mais lógico enquadrar o embelezamento das Mitzvót como uma demonstração de amor a D'us, como fez o Rabeinu Bechaya? Como entender esta opinião do Ramchal?
 
Além disso, por que a primeira reação do povo judeu após a incrível salvação através da milagrosa abertura do mar foi o compromisso de embelezar as Mitzvót? Não seria mais apropriado em primeiro lugar eles se comprometerem a simplesmente cumprir as Mitzvót? Qual a conexão entre embelezar as Mitzvót e a incrível revelação de D'us que ocorreu na abertura do mar?
 
Finalmente, o Talmud (Shabat 133b) aprende outro ensinamento da palavra “Anvehu”, que pode ser dividida em duas palavras: “Ani” “Vehu”, que significa “Eu e Ele”. Isto nos ensina que, para nos assemelharmos a D'us, devemos imitar Seus caminhos. Por exemplo, da mesma forma que Ele é misericordioso, também devemos ser misericordiosos. Mas por que aprendemos o conceito de como devemos nos relacionar com D'us da mesma palavra que aprendemos o conceito de embelezar as Mitzvót? Qual é a conexão entre os dois conceitos?
 
Explica o Rav Yohanan Zweig que no começo de qualquer relacionamento interpessoal há uma certa distância natural entre as duas partes. Esta distância faz com que cada uma das partes respeite a outra e esteja disposta a se relacionar de acordo com os termos da outra parte. Porém, com o tempo e a convivência, as pessoas começam a ganhar confiança e a distância natural se dissipa. Neste momento, normalmente o respeito mútuo também vai diminuindo e cada uma das partes começa a exigir que o outro se ajuste ao seu comportamento. É este “choque de vontades” que acaba alimentando o sentimento de desprezo após algum tempo de convivência.     
 
Os nossos relacionamentos interpessoais são um modelo do nosso relacionamento com D'us. Portanto, da mesma forma que isto ocorre entre as pessoas, esta perda de respeito também pode ocorrer no nosso relacionamento com D'us. De acordo com o Talmud (Sotá 30b), o relacionamento do povo judeu com D'us durante a abertura do mar se tornou algo tão próximo, tão tangível, que até mesmo os bebês foram capazes de perceber a presença de D'us. A percepção de D'us transcendeu, de algo apenas intelectual para algo muito mais tangível e concreto. Automaticamente a distância entre o povo judeu e D'us diminuiu. Nestas circunstâncias, esta proximidade poderia ter causado com que as sementes do desprezo tivessem sido espalhadas. O povo judeu entendeu que a única solução para este problema era imediatamente receber sobre si o compromisso de embelezar as Mitzvót.
 
Mas como isto resolveria o problema da falta de respeito por causa da maior proximidade? Quando vemos algo muito bonito, nosso instinto faz com que consideremos como sendo algo inacessível. A beleza eleva um objeto e cria naturalmente uma distância. Nosso objetivo na vida é construir com D'us um relacionamento de amor. Ao embelezar as Mitzvót, nós inserimos respeito no relacionamento, e é o respeito que preserva o amor. De acordo com o Ramchal, como o propósito do embelezamento das Mitzvót é inserir respeito no relacionamento entre nós e D'us, então ele considera como sendo parte do “temor a D'us”. Ao embelezá-las, nós inserimos nas Mitzvót uma dignidade que cria reverência e admiração aos olhos de quem as realiza.
 
A fundação do amor verdadeiro em qualquer relacionamento é o respeito. O respeito garante que não haverá nenhum tipo de desprezo. Desenvolver nossa religiosidade através de emular os atos de D'us nos permite desenvolver o respeito que preservará o nosso relacionamento. É por isso que o mesmo versículo que ensina sobre o nosso relacionamento com D'us é também uma fonte da exigência de embelezar as Mitzvót, pois este ato de embelezar as Mitzvót cria o respeito necessário para manter um relacionamento saudável.

Esta Parashá traz um ensinamento extremamente importante para nossas vidas. É muito comum sermos desrespeitosos justamente com as pessoas mais próximas, pois é justamente a proximidade que acaba causando com que nos acostumemos e deixemos de respeitar os outros da maneira correta. Isto ocorre dentro das nossas casas e nos ambientes de trabalho. A Parashá nos ensina que esta é uma característica natural do ser humano e, justamente por isso, se não tomarmos nenhuma atitude, acabaremos desrespeitando e ofendendo pessoas queridas. Da mesma forma que o povo judeu procurou uma forma de manter o respeito com D'us apesar da proximidade, precisamos pensar em maneiras de como sempre manter o respeito com as pessoas que são mais próximas, pois são elas que justamente mais merecem o nosso respeito e consideração.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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