Santificando o nome de D’us

“Josh Glick, um judeu religioso, foi logo cedo alugar um carro em uma pequena cidade dos Estados Unidos. Ele precisava urgentemente do carro para resolver assuntos importantes do trabalho. Quando chegou a sua vez na fila, abriu a carteira para pegar seu cartão de crédito e sua carteira de identidade. Encontrou rapidamente o cartão de crédito mas, para seu desespero, não encontrava a carteira de identidade. Revirou todos os bolsos, procurou se tinha caído no chão da loja, mas simplesmente não encontrava. Sabia que nunca alugariam para ele um carro sem o documento, mas estava tão desesperado que resolveu tentar. Se aproximou do homem no balcão e explicou a situação. O homem então lhe fez um pedido estranho:
 
– Senhor, me desculpe, mas você pode arregaçar a manga esquerda do seu terno para que possa ver seu braço?
 
Josh achou que tinha entendido errado. O que aquele pedido estranho tinha a ver com o aluguel do carro e com a falta da carteira de identidade? Seu olhar de espanto foi percebido pelo funcionário da loja, que explicou:
 
– Eu só quero ver se você tem aquelas marcas no braço (que ficam por algum tempo depois que a pessoa coloca o Tefilin). Se você tiver aquelas marcas, eu sei que posso confiar em você e posso alugar o carro mesmo sem a sua carteira de identidade.
 
Josh, muito feliz, mostrou suas marcas de Tefilin no braço esquerdo e saiu de lá com o carro alugado. Naquele dia ele percebeu a importância de fazer “Kidush Hashem” (santificar o Nome de D'us), se comportando sempre de maneira honesta e digna, para que o povo judeu se torne, diante dos outros povos, um modelo de honestidade e retidão” (História Real, retirada do livro “Impact Stories!”, de autoria do Rav Dovid Kaplan). 

 

Na Parashá desta semana, Bô (literalmente “Venha”), D'us castigou os egípcios com as últimas três pragas, quebrando de vez a resistência do Faraó. Não suportando mais os sofrimentos, ele finalmente libertou os judeus. O auge do sofrimento dos egípcios foi a última praga, a Morte dos Primogênitos, quando todos os primogênitos egípcios morreram de uma só vez, enquanto os primogênitos judeus foram poupados. Em cada praga, D'us ia demonstrando um pouco mais Seu controle sobre as forças da natureza. Nesta última praga, D'us demonstrou ser o único dono da vida e da morte. Mesmo para aqueles que ainda insistiam em procurar explicações naturais para as pragas e para os milagres abertos que aconteciam no Egito, a morte dos primogênitos foi uma revelação inegável do poder de D'us. Tanto para os egípcios como para os judeus, esta última praga transformou a percepção humana em relação à presença de D'us, de algo abstrato e subjetivo em algo muito mais visível e palpável.
 
Esta revelação do poder de D'us acabou se transformando em um grande “Kidush Hashem”, quando o Nome de D'us é santificado no mundo. E por causa deste Kidush Hashem criado, os primogênitos do povo judeu foram elevados e ganharam um status de santidade eterna. Deste momento em diante, os primogênitos se dedicariam aos Serviços Divinos. Por exemplo, eles seriam os responsáveis por todos os trabalhos feitos nos Templos Sagrados. Infelizmente, após o desastroso tropeço do povo judeu com o bezerro de ouro, no qual os primogênitos também participaram, eles perderam este grande privilégio, que foi passado para a Tribo de Levi, os únicos que não haviam se envolvido na terrível transgressão.
 
Porém, esta santidade recebida pelos primogênitos era tão forte que, mesmo com o bezerro de ouro, ela não foi anulada. Foi necessária uma “cerimônia” para que os primogênitos fossem “liberados” deste privilégio e ele fosse passado à Tribo de Levi. Até hoje, quando um primogênito completa 30 dias de vida, ele passa por uma cerimônia chamada “Pidion Haben”, justamente para “resgatá-lo” deste nível diferenciado de santidade.
 
Mas este conceito desperta uma grande questão: afinal, o que os primogênitos fizeram para merecer este status espiritual tão especial? D'us mandou uma praga que matou os primogênitos egípcios, e tudo o que os primogênitos judeus fizeram foi não morrer junto com eles! Se foi uma participação tão passiva dos primogênitos judeus, então por que eles tiveram o mérito de receber tanta santidade?
 
Explica o Rav Yssocher Frand que este tipo de questionamento é decorrência da nossa falta de entendimento da enorme importância de fazermos Kidush Hashem. Um ato de Kidush Hashem é algo tão grande que, mesmo quando é feito de forma passiva, como ocorreu no caso dos primogênitos judeus, pelo fato de resultar em uma santificação do Nome de D'us no mundo, isto automaticamente causa um aumento da santidade daquele que participou dele. Isto quer dizer que, se os primogênitos foram recompensados de uma maneira tão grandiosa mesmo sendo meros coadjuvantes na santificação do Nome de D'us, certamente muito maior será os ganhos daqueles que conseguirem criar uma santificação do Nome de D'us de maneira ativa.
 
Mas como podemos santificar o Nome de D'us? Quando pensamos no conceito de “Kidush Hashem”, sempre nos vêm à cabeça a ideia de pessoas fazendo grandes atos, às vezes entregando até mesmo suas próprias vidas para engrandecer o Nome de D'us. Foi o que ocorreu durante toda a história do povo judeu, como nas épocas das conquistas do Império Romano e da Inquisição, quando muitos judeus preferiram entregar suas vidas e morrer em “Kidush Hashem” do que se converter para outras religiões.
 
Porém, a verdade é que não é necessário morrer para fazer Kidush Hashem. Na realidade, não é necessário nem mesmo grandes atos para isto. Pequenos atos de retidão e justiça podem ter um impacto incrível no mundo. E quanto mais o mundo se afunda na escuridão da corrupção, mentira e egoísmo, maior o brilho dos nossos bons atos. As pessoas estão tão acostumadas com a desonestidade que um pequeno ato de honestidade se transforma em manchete principal da capa do jornal.
 
Um exemplo interessante ocorreu com o Rav Simcha Barnett. Certa vez ele estava em uma loja e, após pagar por um produto adquirido, ele recebeu de volta o seu troco. Por engano, ele contou o troco e pensou que a mulher do caixa havia se equivocado e devolvido troco a mais. Ele voltou ao caixa, comunicou à mulher o equívoco dela e devolveu parte do dinheiro. A mulher checou novamente às contas e mostrou ao rabino que o troco estava correto. O que poderia parecer um pequeno ato, quase insignificante, tomou outras proporções. A mulher, deslumbrada pela honestidade do rabino, agradeceu-o pelo incrível ato de cidadania. Ainda não satisfeita, ela agradeceu mais uma vez ao rabino pela grande gentileza. Então o rabino disse: “Senhora, eu não estou sendo gentil. Eu estou fazendo a coisa certa, apenas a coisa certa”. O rabino conta que foi visível o impacto que estas palavras tiveram sobre aquela mulher. Após alguns instantes de reflexão, ela disse: “Realmente, o senhor tem razão. Isto não se trata de gentileza. Isto é apenas fazer o que é certo”.
 
Por um lado, este tipo de acontecimento nos causa certo desânimo. Vivemos em uma sociedade com valores morais tão distorcidos que um simples ato de retidão é visto como uma incrível gentileza, algo que é “mais do que nossa obrigação”. Por que devolver dinheiro que recebemos a mais seria um ato de gentileza? É um ato de justiça, é apenas ser correto, fazer o que precisa ser feito. Não devolver o troco a mais é roubo, é uma enganação! Então por que o mundo atualmente se perdeu tanto moralmente a ponto de não saber mais identificar a diferença entre fazer o que é correto e fazer o que é mais do que o necessário?
 
Por outro lado, este exemplo nos desperta para o incrível impacto positivo que um simples e pequeno ato de retidão pode causar nas pessoas. Quando uma pessoa vê seu companheiro fazendo atos justos e corretos, ela vê de forma um pouco mais palpável a bondade e a perfeição de D'us, expressados através do bom ato desta pessoa. Isto é chamado Kidush Hashem, a santificação do Nome de D'us.
 
A verdade é que esta é uma das principais missões do povo judeu neste mundo, o que é confirmado pelas palavras do nosso profeta: “Eu sou D'us. Eu chamei vocês com justiça e Eu fortalecerei sua mão; e Eu formei você, e Eu fiz de você um povo do pacto, uma luz para as nações” (Yeshayahu 42:6). Ser uma “luz para as nações” significa se transformar em um modelo através do qual todas as nações do mundo verão a justiça, a retidão e a moralidade, e serão atraídas por elas e por D'us, quem as ordenou.

Os primogênitos, com um ato passivo, receberam o mérito de uma santidade mais elevada e eterna. Pequenos atos de retidão e honestidade, feitos de forma ativa e consciente, certamente trarão muito mais mérito a cada um de nós. Para santificar o Nome de D'us não é necessário mais do que pequenos atos de bondade e de sensibilidade, utilizando com todas as pessoas palavras e gestos gentis e solidários. Tratar bem os funcionários, ser educado com o motorista do ônibus, cumprimentar o porteiro ao sair e entrar no prédio e ser solidário com os colegas de trabalho são pequenos atos que podem transformar o mundo. Isto não é fazer mais do que a nossa obrigação. Isto é cumprir a missão que viemos fazer no mundo.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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