“O Rav Yerucham Leibovitz (Bielorússia, 1873 – 1936), o grande Mashguiach (líder espiritual) da Yeshivá de Mir, certa vez foi visitar o Rav Nosson Tzvi Finkel (Lituânia, 1849 – Israel, 1927), mais conhecido como Alter MiSlobodka. No primeiro dia da visita os dois se fecharam em uma sala, e era possível escutar do lado de fora que o Alter estava dando uma enorme bronca no Rav Yerucham. A mesma cena se repetiu nos dias que se seguiram, por quase uma semana.
Mas afinal, por que o Alter estava tão incomodado com o Rav Yerucham, uma pessoa tão reta e pura? Pois Slobodka era uma Yeshivá (Centro de estudos de Torá) que reforçava muito a ideia de que seus alunos não deveriam ser forçados a se “moldarem” de uma maneira específica. O Alter MiSlobodka sempre se esforçou para ressaltar o que cada aluno tinha de único e especial. Ele tinha o cuidado de não trazer para a Yeshivá professores muito carismáticos, pois tinha receio de que alguém carismático acabaria influenciando de maneira muito forte os alunos, fazendo-os seguir exatamente seu estilo, ao invés de investirem em suas próprias qualidades.
Foi por isso que o Alter MiSlobodka estava tão bravo. Ele sabia que o Rav Yerucham era tão carismático que, mesmo sem intenção, estava transformando seus alunos da Yeshivá de Mir em seus “seguidores”, ao invés de incentivar que cada um deles desenvolvesse sua expressão única e individual.
Quais foram os benefícios de Slobodka ter encorajado seus alunos a expressarem sua individualidade, ao invés de tentar moldá-los de maneira padrão? De todas as Yeshivót da Europa, Slobodka foi a que produziu a maior quantidade de gênios de Torá. Nomes como Rav Aharon Kotler, Rav Yaacov Kamenetzky e Rav Yitzchak Hutner são alguns exemplos de rabino que saíram de Slobodka e iluminaram o mundo com sua Torá. E o mais impressionante é que estes gigantes eram muito diferentes uns dos outros em suas características. Ao reforçar o que havia de único em cada aluno, o Alter MiSlobodka conseguiu tirar de cada um deles o que eles tinham de melhor.
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Nesta semana lemos a Parashá Toldot, que descreve um pouco da vida do nosso patriarca Yitzchak. Mas diferente de Avraham, que se destacou pelo Chessed e pela Emuná (fé) inabalável, e de Yaacov, que se destacou pela incrível honestidade mesmo diante de grandes testes, Yitzchak aparentemente não se destacou em nada. Depois de quase ter sido sacrificado por seu pai, a Torá nos conta muito pouco sobre a vida dele. Qual é o ensinamento que podemos aprender da vida e dos atos de Yitzchak?
Se prestarmos atenção em alguns dos acontecimentos da vida de Yitzchak relatados na Parashá, perceberemos que seus passos sempre foram muito parecidos com os de seu pai, Avraham. Tanto Avraham quanto Yitzchak passaram por um período de fome na terra de Israel, e ambos se dirigiram ao Egito, com a única diferença que D'us não permitiu a Ytzchak sair da terra de Israel. Além disso, os dois viveram com o povo dos Plishtim e passaram pelo perigo de terem suas esposas raptadas por causa da beleza delas. Da mesma forma que Avraham precisou dizer que Sara era sua irmã para não ser assassinado, também Yitzchak teve que dizer que Rivka era sua irmã. E, finalmente, Yitzchak voltou aos poços que Avraham havia cavado, mas como eles haviam sido tapados pelos Plishtim, Yitzchak cavou-os novamente e deu a eles exatamente os mesmos nomes que seu pai originalmente havia dado. É impressionante perceber as semelhanças entre os caminhos de Avraham e de Yitzchak.
Explica o Rabeinu Bechaye (Espanha, 1255 – 1340) que esta semelhança não foi uma mera coincidência. Dos atos de Yitzchak nós aprendemos para as futuras gerações o conceito de “Massoret Avót” (transmissão dos antepassados), isto é, a obrigação de seguirmos nos caminhos e tradições dos nossos antepassados. Ytzchak não quis se desviar nem mesmo um centímetro dos caminhos trilhados por seu pai. Enquanto o papel de Avraham era ser o desbravador, definindo os precedentes e estabelecendo as “placas de orientação” para o povo judeu, o papel de Ytzchak era consolidar tudo aquilo que seu pai havia feito, seguindo de forma precisa seus passos.
Porém, há outro aspecto na vida de Yitzchak que aparentemente contradiz a ideia de seguir seu pai em todos os caminhos. Nossos sábios ensinam que Avraham e Ytzchak tinham personalidades muito diferentes. Enquanto Avraham representou a característica do Chessed (bondade), transbordando bondades para todas as criaturas, Ytzchak é definido pela característica de justiça e bravura. Isto significa que, em relação aos traços de caráter, Ytzchak não seguiu os caminhos de seu pai. Como entender esta contradição?
Este comportamento “contraditório” de Ytzchak é, na realidade, uma das maiores contribuições que ele deu ao povo judeu. Ytzchak estava nos ensinando que, por um lado, temos a obrigação de nos mantermos conectados às instruções que recebemos através da “Massóret Avót”. Nenhum judeu pode criar seu próprio conjunto de valores e comportamentos, pois recebemos a transmissão de qual é a forma correta de viver nossa vida. Mas, por outro lado, Ytzchak nos ensinou que isto não significa que todos aqueles que querem estar conectados à linha de transmissão da Torá devem se comportar de maneira idêntica, sem manter sua individualidade, pois há diversas maneiras de desenvolver nossa “Avodat Hashem” (Serviço Divino). O Rav Israel Meir HaCohen (Bielorússia, 1838 – Polônia,1933), mais conhecido como Chafetz Chaim, questiona o motivo pelo qual a Torá precisou nos relatar que a Árvore da Vida estava posicionada exatamente no centro do Gan Éden. Ele responde que é justamente para nos ensinar que a verdade é representada por um único ponto central, mas que existem numerosos pontos em volta que são equidistantes do centro. Assim também há diversas abordagens do judaísmo, que enfatizam diferentes formas de servir a D'us e diferentes traços de caráter. Apesar de serem diferentes, enquanto elas se encontram dentro dos limites da “Massóret Avót”, todas têm a mesma validade aos olhos de D'us. Isto nos ensina a não olharmos com superioridade para outro judeu por ele ser Chassid, Ashkenazi ou Sefaradi, achando que somente nós estamos fazendo o que é correto, pois cada uma destas abordagens ressalta uma maneira diferente de se conectar a D'us, sendo que uma não é melhor do que a outra.
Este conceito pode ser aplicado em outras áreas da nossa vida, como no desenvolvimento da nossa própria personalidade. Há a tendência em muitas sociedades de que certos traços de caráter são mais louváveis do que outros. Por exemplo, ser extrovertido e confiante normalmente é visto como algo positivo, enquanto ser envergonhado e retraído é normalmente visto de maneira negativa. Pais extrovertidos com um filho introvertido têm a tendência de achar que a natureza quieta de seu filho é uma falha de caráter, e por isso o pressionam para que mude. Porém, o mais provável é que a única coisa que estes pais conseguirão será fazê-lo se sentir uma pessoa inadequada. É trabalho dos pais entender que seu filho tem características diferentes das suas, aceitando-o como ele é e aprendendo a desenvolver seus pontos fortes. Da mesma maneira, há crianças que têm muita dificuldade de se sentar horas para estudar e manter o foco. Se os pais não entendem a natureza do filho e tentam pressioná-lo a estudar sem parar, é muito provável que esta criança se rebelará ao crescer.
Pode parecer algo hipotético, mas o Rav Shimshon Raphael Hirsh (Alemanha, 1808 – 1888) explica que foi exatamente isto o que aconteceu com Essav. Ytzchak, com a melhor das intenções, quis educar seus dois filhos, Yaacov e Essav, da mesma maneira. Eles foram ensinados desde cedo que deveriam dedicar horas e horas diárias aos estudos. Porém, Yitzchak não levou em consideração que Essav tinha uma natureza completamente diferente de Yaacov. Enquanto Yaacov era uma criança tranquila, Essav era uma criança com muita energia, e toda esta energia foi reprimida durante sua infância. Quando Essav cresceu, ele alegremente abandonou seus estudos e se afundou em uma vida de transgressões. Daqui aprendemos o quanto devemos ser sensíveis às diferenças de natureza dos nossos filhos.
Há algo no começo da Parashá que ressalta a importância da nossa individualidade. Como Rivka não conseguia ter filhos, ela e Ytzchak rezaram, mas a Torá ressalta que a Tefilá de Ytzchak foi escutada. O Talmud (Yebamot 64a) explica que não se compara a força da Tefilá de um Tzadik filho de um Tzadik com a Tefilá de um Tzadik filho de um Rashá (malvado). Ytzchak era filho de Avraham, um Tzadik que mudou a história da humanidade, enquanto Rivka era filha de Betuel, um grande Rashá. Mas não deveria ser justamente o contrário? Ytzchak cresceu na casa de Avraham e desde cedo foi educado por seu pai a andar nos caminhos corretos. Rivka, ao contrário, cresceu no meio de Reshaim, pessoas enganadoras e desonestas, e apesar disso conseguiu superar as dificuldades e se tornar uma grande Tzadiká. Então por que ela não tinha mais méritos do que Ytzchak? Explicam os nossos sábios que Ytzchak tinha um desafio ainda maior do que o de Rivka: o de não se tornar uma mera cópia idêntica de seu pai. Avraham foi um dos maiores modelos que alguém poderia ter na vida, e o natural seria Ytzchak apenas copiar seu pai em todos os seus atos e características. Mas Ytzchak não se contentou com isso, e teve muitos méritos por ter criado seu próprio caminho de Serviço a D'us.
Esta foi a grande contribuição de Ytzchak: nos ensinar que, apesar de ser necessário estarmos conectados à “Massóret Avót”, sendo uma grande proibição mudar qualquer aspecto da Torá, temos a liberdade de sermos nós mesmos, de utilizarmos nossas aptidões naturais e forças para nos conectarmos ao nosso lado espiritual. Não temos que nos anular e nos forçar a sermos o que não somos. Assim, desenvolvendo nossas habilidades e nossos pontos fortes, certamente teremos uma chance muito maior de vivermos uma vida muito mais feliz e com sucesso.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm