Era a primeira noite de Pessach e o Rabi Akiva Eiger (Hungria, 1761 – Prússia, 1837) estava sentado à mesa celebrando o Seder de Pessach com vários convidados. As belas peças de prata, louças e cristais, que brilhavam após terem sido lustrados em honra daquela noite especial, foram colocadas sobre a mais fina toalha de linho branca, a melhor que a família Eiger possuía, e que ficava o ano inteiro guardada apenas para esta ocasião especial.
O Seder seguia tranquilo, com todos os convidados se sentido muito à vontade e revivendo juntos a saída do Egito. Quando todos estavam prestes a levantar as taças para cumprir a Mitzvá de beber um dos quatro copos de vinho, um dos convidados se descuidou e derrubou sua taça. Imediatamente o vinho tinto espirrou sobre toda a linda toalha de linho branca, deixando uma enorme mancha.
Antes que as pessoas pudessem ter qualquer reação, e sem pensar duas vezes, o Rabi Akiva Eiger começou a balançar a mesa até que sua própria taça também virou, derramando todo o conteúdo na toalha branca. Fingindo estar aborrecido consigo mesmo, ele falou em voz alta, olhando para a pessoa que havia derramado a taça:
“Não acredito, esta mesa está balançando muito, deve ser por isto que os copos caíram. Eu devia tê-la consertado antes do Seder. Me desculpe”
O convidado respirou aliviado. Com aquela enorme agilidade, o Rabi Akiva Eiger poupou sua visita de passar por uma grande vergonha pública. Ele já tinha tão internalizada a preocupação com o próximo que não foi necessário nem pensar antes de tomar aquela atitude rápida em prol da honra do próximo.
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Na Parashá desta semana, Toldot, a Torá começa a contar um pouco da vida do nosso patriarca Itzchak e sua esposa Rivka, como está escrito: “E Itzchak tinha quarenta anos quando tomou Rivka, filha de Betuel, o Arameu, de Padam Aram, e irmã de Lavan, o Arameu, como esposa para si” (Bereshit 25:20). A Torá nos ensina que tanto Betuel quanto Lavan eram pessoas desonestas e trapaceiras, que não mediam esforços para enganar os outros e sempre levar vantagem. Além disso, a Torá já havia descrito anteriormente (na Parashá da semana passada) quem eram os familiares de Rivka. Então por que repetir novamente? Não é uma vergonha para Rivka ser mencionada junto com seus parentes Reshaim (malvados)?
Explica Rashi, comentarista da Torá, que a intenção do versículo é justamente o contrário, isto é, os parentes Reshaim de Rivka foram mencionados como forma de louvá-la. Rashi, citando um Midrash (parte da Torá Oral), explica que Rivka tinha a enorme força espiritual de não aprender com os maus atos de seus parentes e vizinhos. O entendimento mais simples das palavras do Rashi é que, apesar de Rivka ter nascido em um ambiente tão ruim, em uma casa com valores tão distorcidos, ela conseguiu superar as más influências e manter sua retidão, tornando-se uma das matriarcas do povo judeu.
Porém, se nos aprofundarmos um pouco mais nas palavras do Midrash trazido por Rashi, perceberemos que não é exatamente esta ideia que a Torá quer nos transmitir. O Midrash, citando um versículo de Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos, do Rei Salomão), define Rivka como “uma rosa entre os espinhos”. Se o Midrash estivesse querendo ensinar que Rivka continuou sendo Tzadiká (Justa) apesar das adversidades, então os espinhos representariam as adversidades e a rosa representaria a superação. Mas esta analogia não está correta, pois a rosa não desabrocha apesar dos espinhos, ao contrário, é a proteção dos espinhos que permite que a rosa possa se desenvolver e desabrochar. Então qual é o grande louvor que o versículo está nos ensinando sobre Rivka?
Segundo o Rav Yochanan Zweig, para responder esta pergunta precisamos fazer uma análise psicológica dos Arameus, o povo da região onde Rivka vivia. O Talmud (Meguilá 13b) define Lavan, o irmão de Rivka, como sendo um “Ramai” (trapaceiro). A palavra “Ramai” contém exatamente as mesmas letras da palavra “Arami” (Arameu). Isto significa que não apenas Lavan era desonesto, mas todas as pessoas daquela região também eram trapaceiras. Porém, é necessário fazer uma distinção entre um ladrão e um “Ramai”. O ladrão, quando age, em nenhum momento finge que suas ações são pelo bem da vítima. Já o “Ramai” se faz passar por alguém de confiança. Ele tem a habilidade de enganar a vítima, fazendo-a pensar que ela está ganhando algo, enquanto está na verdade sendo trapaceada. Somente mais tarde é que a vítima percebe que foi enganada. Para que um “Ramai” consiga cometer crimes desta maneira, é necessário que ele saiba exatamente o que a vítima está pensando. Ele precisa desenvolver a habilidade de ver as coisas a partir da perspectiva do outro. Esta característica era dominante entre os Arameus, e foi neste ambiente que Rivka cresceu.
Mas então surge outra pergunta: se Avraham sabia que todas as pessoas daquela região eram trapaceiras e enganadoras, por que pediu para que fosse trazida uma esposa para seu filho Itzchak justamente de lá? Que tipo de qualidades ele esperava de alguém que vivia naquele ambiente tão negativo?
Ensinam os nossos sábios que todas as características, mesmo as mais negativas, também podem ser utilizadas de maneira positiva. Até mesmo a característica de ser um “Ramai”, apesar de normalmente ser utilizada para enganar e trapacear, também pode ser usada de maneira construtiva. Os maiores atos de bondade são feitos pelas pessoas que desenvolvem uma sensibilidade em relação às necessidades do próximo. Rivka utilizou a habilidade de um “Ramai”, isto é, de entender profundamente a cabeça da outra pessoa, de ver a situação com os olhos do outro, para atingir um alto grau de sensibilidade com as necessidades do próximo. Esta era a característica que Avraham queria para a esposa do seu filho, para que fosse futuramente transmitida, através da “genética espiritual” dos patriarcas, ao povo judeu.
Portanto, esta é a mensagem mais profunda do Midrash citado pelo Rashi. A característica negativa de ser um “Ramai” são os espinhos. Quando Rivka chegou ao nível de ser uma “rosa”, isto é, uma das matriarcas do povo judeu, não foi apesar de ter vivido com pessoas trapaceiras, mas justamente por causa disso, por ter aprendido com os arameus, trapaceiros e desonestos, a entender o coração e as necessidades do próximo. Isto permitiu que ela chegasse a um nível de Chessed (bondade) muito elevado.
Esta capacidade dos Arameus de enxergar as coisas a partir da perspectiva do outro pode ser percebida até mesmo em algumas sutilezas de sua linguagem, o aramaico. Há na Torá um versículo difícil de ser entendido: “Um homem que tiver relações com sua irmã… é um 'Chessed', e eles devem ser banidos diante do seu povo” (Vayikra 20:17). A tradução de “Chessed”, em hebraico, é “bondade”. Como este versículo pode estar ensinando que este tipo de relacionamento, que envolve relações ilícitas, uma abominação aos olhos de D'us, é uma bondade? Explica Rashi que a linguagem “Chessed” em aramaico significa vergonha, e é isto o que o versículo está ensinando, que este relacionamento é uma grande vergonha. Mas por que a palavra Chessed tem sentidos tão contraditórios e, enquanto em hebraico tem uma conotação tão positiva, em aramaico é tão negativo? E por que o versículo escreveu uma palavra com o seu significado em aramaico e não em hebraico?
Responde o Rav Yochanan Zweig que os sentidos da palavra Chessed em hebraico e em aramaico não são contraditórios, e sim complementares. O sentido em hebraico foca na perspectiva daquele que faz a bondade, pois aquele que faz o bem ao próximo se sente preenchido com seu ato, enquanto o sentido em aramaico foca na perspectiva daquele que recebe a bondade, pois quem precisa estender a mão para receber ajuda sente vergonha.
Quando a Torá utiliza a palavra Chessed em aramaico, ela nos ensina que quando vamos fazer bondades, devemos ter a sensibilidade com a vergonha daquele que está recebendo. O ideal é tentar sempre fazer o Chessed de uma maneira que não envergonhe aquele que recebe, como doar de forma que a pessoa que recebeu não saiba quem está doando. Mas o maior nível de Chessed é, ao invés de dar algo pronto, ajudar a pessoa necessitada a conquistar o que lhe falta, para que ela não precise mais passar pela vergonha de pedir ajuda aos outros. Por exemplo, ao invés de dar esmola para um pobre todo mês, podemos ajudá-lo a conseguir um emprego, para que ele receba seu sustento de forma honrosa, sem sentir nenhum tipo de vergonha nem depender de ninguém.
Este é o incrível ensinamento da Parashá: para fazer Chessed de verdade não é suficiente apenas a vontade de fazer o bem, mas também é necessário a sensibilidade para evitar causar qualquer tipo de vergonha ou constrangimento para aquele que recebe. Somente assim poderemos sentir a alegria verdadeira de ter feito a bondade de maneira completa.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm
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