“Certa vez um jovem de uma importante Yeshivá da Europa, que estava se tornando um grande estudioso da Torá e tinha excelentes traços de caráter, ficou noivo. No discurso de noivado ele fez vários agradecimentos, mas em especial agradeceu ao seu professor do 2° ano. Todos estranharam, pois não era muito comum o agradecimento a um professor que havia ensinado há tanto tempo. Mas o jovem explicou que somente por causa da sensibilidade daquele professor ele havia conseguido chegar até onde chegou. E, para que todos entendessem, contou uma história comovente.
Quando ele estava no 2° ano, na época com 7 anos, havia na classe um garoto de família muito rica. Certo dia este garoto rico levou para a escola um caríssimo relógio de pulso. As outras crianças ficaram com inveja, pois naquela época os relógios de pulso eram muitos raros, e nenhuma outra criança possuía um. Na hora do intervalo o garoto saiu para brincar e esqueceu o relógio em cima de sua mesa, mas quando voltou descobriu que o relógio havia desaparecido. Como suspeitaram que um dos colegas de classe havia roubado o relógio, o professor pediu para que todos se levantassem e ficassem de pé ao lado de suas carteiras, enquanto ele revistava os bolsos e as mochilas de cada aluno.
O noivo contou, com a voz emocionada, que ficou apavorado quando o professor começou a chegar perto, pois era ele quem havia roubado o relógio. Ele imaginava a humilhação pública que passaria quando fosse descoberto. Mas algo incrível aconteceu. Quando o professor aproximou-se dele e colocou a mão em seu bolso, encontrou o relógio. Porém, ao invés de anunciar que havia descoberto o ladrão, ele agiu com muita sabedoria. Sem ninguém perceber, escondeu o relógio dentro da manga do seu terno e continuou fingindo que procurava nos outros alunos. Quando terminou, ele voltou para seu lugar e anunciou:
– Eu encontrei o relógio. Mas ao contrário do que vocês imaginaram, não foi nenhum aluno desta sala que o roubou. Foi o Yetzer Hará (má inclinação), que entrou em um dos alunos e conseguiu convencê-lo a roubar o relógio. Mas como ele é um excelente menino, tenho certeza que de hoje em diante se o Yetzer Hará tentar convencê-lo a novamente fazer algo errado ele conseguirá juntar forças para vencê-lo.
Com sua incrível sensibilidade, o professor havia mudado a vida daquele rapaz. Quanta vergonha e humilhação ele poderia ter causado caso revelasse quem era o ladrão? Talvez o aluno até merecesse mesmo uma enorme bronca naquele momento, mas graças à misericórdia daquele professor, o jovem pôde continuar em um caminho correto e conseguiu chegar a ser um estudante de Torá de destaque.
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Na Parashá desta semana, Tzav, a Torá continua descrevendo alguns dos serviços executados no Mishkan (Templo Móvel) pelos Cohanim (sacerdotes). A Parashá começa descrevendo um dos serviços mais estranhos que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) fazia: o “Trumat HaDeshen”, que consistia basicamente em limpar o Mizbeach (altar de sacrifícios). Os Korbanót, após serem abatidos, eram queimados durante todo o dia e parte da noite sobre o altar, acumulando uma grande quantidade de cinzas. O primeiro serviço matinal do Cohen Gadol era remover do Mizbeach as cinzas que haviam sobrado do dia anterior. Mas por que este serviço, aparentemente tão “baixo”, era atribuído justamente ao Cohen Gadol, alguém espiritualmente tão elevado?
Explica o Rabeinu Bechaye (Espanha, 1255 – 1340) que este serviço demonstra o quanto devemos ser humildes diante de D'us, e mesmo o Cohen Gadol precisava se rebaixar e fazer um ato aparentemente degradante. O Rav Shlomo Ephraim (Polônia, 1550 – Praga, 1619), mais conhecido como Kli Yakar, ressalta que as cinzas eram um lembrete para o Cohen Gadol de que, apesar de seu elevado status, ele deveria se comportar com a mesma humildade de Avraham Avinu, que reconheceu o quanto o ser humano é pequeno e insignificante diante de D'us ao declarar: “E eu sou pó e cinzas” (Bereshit 18:27).
Há outro ensinamento que enfatiza a importância de reconhecer o quanto o ser humano é pequeno: “Saiba de onde você veio e para onde você vai… De onde você veio? De uma gota podre. E para onde você vai? Para um lugar de pó, vermes e larvas” (Pirkei Avót 3:1). Nossos sábios também ensinam: “Tenha um espírito muito muito humilde, pois a esperança do “Enosh” (ser humano) são as larvas” (Pirkei Avót 4:4).
Por outro lado, também há diversos ensinamentos dos nossos sábios que parecem ressaltar a grandeza inerente do ser humano. O Talmud (Sanhedrin 37a) afirma que aquele que salva uma única alma de Israel é considerado pela Torá como se tivesse salvado o mundo inteiro. Nossos sábios também ensinam: “O ser humano é muito precioso pois foi criado à Imagem [de D'us]” (Pirkei Avót 3:14).
Em uma análise superficial, parece que há uma enorme contradição entre os ensinamentos dos nossos sábios, pois de um lado parece que o homem é um ser muito elevado, mas de outro lado parece que o homem é um ser inferior. Como entender esta aparente contradição?
Explica o Rav Yehonasan Gefen que, na realidade, não há absolutamente nenhuma contradição, pois as diferentes opiniões refletem duas diferentes abordagens em relação ao status do ser humano. Enquanto uma abordagem foca no corpo do ser humano, caracterizado pelos desejos materiais mais baixos, a outra abordagem foca a alma do ser humano, cuja grandeza é incomparável.
Uma análise mais detalhada das fontes citadas pelos nossos sábios demonstra esta diferença de abordagem. O serviço de “Trumat HaDeshen” era um lembrete ao Cohen Gadol da natureza passageira do seu corpo, recordando-o que seu final seria o pó. A Mishná no Pirkei Avót também foca apenas na parte corpórea do ser humano e utiliza a linguagem “Enosh” (ser humano), ao invés de utilizar a linguagem mais comum, “Ish”. A linguagem “Enosh” representa os aspectos mais baixos do ser humano, como os seus desejos físicos. A Mishná está nos advertindo para não nos tornarmos orgulhosos por causa das nossas realizações materiais, pois como todas as coisas finitas, elas não duram muito. A Mishná não está ensinando que devemos nos sentir como pessoas inerentemente sem valor, e sim que o sucesso na área material não tem nenhum valor intrínseco. O mesmo vale para a Mishná que ensina que viemos de uma gota podre e iremos para um lugar de vermes e larvas, ela está se referindo apenas à natureza provisória e passageira do nosso corpo. Em contraste, o ensinamento do Talmud que ressalta a inerente grandeza de cada ser humano está focando no nosso potencial espiritual. A Mishná do Pirkei Avót também ressalta que somos queridos aos olhos de D'us pois fomos criados à Sua Imagem e Semelhança, o que certamente se refere à nossa alma.
Mas por que algumas vezes nossos sábios focam na parte baixa e finita do nosso corpo, enquanto outras vezes eles focam na parte elevada e infinita da nossa alma? Nos ensina o Rav Shlomo Wolbe zt”l (Alemanha, 1914 – Israel, 2005) que há momentos na vida nos quais devemos focar no status baixo e pequeno do nosso corpo, enquanto em outros momentos devemos focar na elevação e na grandeza da nossa alma. O ideal seria lembrarmos sempre que somos limitados, que nossas conquistas materiais e nosso corpo são finitos, pois assim evitaríamos o orgulho e a busca desenfreada pela satisfação dos desejos físicos. Mas é muito arriscado focarmos em como somos pequenos sem antes apreciar nossa grandeza intrínseca. Se a pessoa não tem uma autoestima saudável, focar no quanto ela é pequena pode ser algo muito perigoso. Ao invés da pessoa perceber que não deve se portar com arrogância em relação às suas conquistas e realizações materiais, isto pode fazer a pessoa questionar o valor da sua própria essência. Somente uma pessoa sintonizada com a inerente grandeza da sua essência pode utilizar de uma maneira positiva a ideia de que sua parte física é extremamente baixa.
Este mesmo conceito deve ser aplicado aos pais e professores. É muito comum os educadores focarem nos aspectos negativos de seus alunos ou filhos, justificando que da mesma forma que eles receberam uma educação severa de seus pais e por isso conseguiram se transformar em pessoas saudáveis, assim também eles querem educar seus alunos e filhos. Mas muitos educadores defendem a ideia de que as pessoas das gerações passadas tinham a autoestima muito mais saudável e, portanto, os pais e professores podiam utilizar uma educação mais rígida sem medo de consequências negativas. Porém, atualmente as crianças e jovens são muito mais sensíveis e têm menos autoestima. Por isso é muito perigoso focar de forma muito severa o lado negativo delas, mesmo que seja com a intenção de educar.
Além disso, mesmo se um pai ou um professor sente que seu aluno ou seu filho pode lidar com um tipo de abordagem mais rigorosa, é bom levar em consideração um importante ensinamento do Talmud (Sotá 47a): “Sempre a mão esquerda deve afastar, enquanto a mão direita deve aproximar”. O Talmud está nos ensinando que a abordagem mais rígida deve ser utilizada com a nossa mão mais fraca, a esquerda, enquanto que a abordagem mais leve e bondosa deve ser utilizada com nossa mão mais forte, a direita. O Talmud enfatiza a palavra “sempre”, indicando que é um princípio que deve ser utilizado sem exceções. Alguns educadores atuais sugerem que, para cada crítica feita a um filho ou um aluno, devem ser feitos quatro comentários positivos.
Do serviço de “Trumat HaDeshen” aprendemos que, para manter nossa humildade, é necessário lembrar sempre da natureza passageira e finita do nosso corpo. Mas apesar desta ser uma lição muito importante, não é uma lição completa, e devemos sempre nos lembrar também do nosso incrível valor espiritual. Pois o segredo do verdadeiro sucesso no judaísmo, em todas as áreas, é o equilíbrio.
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