“Era uma vez um menino pobre que morava na China e estava sentado na calçada em frente à sua casa. O que ele mais desejava era ter um cavalo, mas não tinha dinheiro para isso. Justamente naquele dia passou em sua rua uma cavalaria e, entre os grandes e belos cavalos, ia um potrinho, incapaz de acompanhar o grupo. O dono da cavalaria, vendo os olhos brilhantes do menino, perguntou se ele queria o cavalinho. Exultante, o menino aceitou. Um vizinho disse ao pai do garoto: “Seu filho tem muita sorte! Ele queria tanto um cavalo que acabou conseguindo um”. O pai escutou e disse: “Se isto é bom ou ruim, só o tempo dirá”.
O menino cuidou do cavalo com todo zelo, mas um dia, já crescido, o animal fugiu. Desta vez, o vizinho disse: “Seu filho é azarado, hein? Ele ganha um cavalo, cuida dele, e depois o cavalo foge!” O pai novamente respondeu: “Se isto é bom ou ruim, só o tempo dirá”.
O tempo passou e um dia o cavalo voltou com uma manada selvagem. O menino, agora um rapaz, conseguiu cercá-los e ficou com todos eles, uma verdadeira fortuna. Observou o vizinho: “Seu filho tem muita sorte mesmo! O cavalo foge e volta com um bando de cavalos selvagens”. Mais tarde, quando o rapaz estava treinando um dos cavalos, caiu e quebra a perna. Vem o vizinho novamente e diz: “Seu filho é azarado mesmo!”. O pai novamente insistiu: “Se isto é bom ou ruim, só o futuro responderá”.
Dias depois, o reino onde moravam declarou guerra ao reino vizinho. Todos os jovens foram convocados, inclusive o filho do vizinho. O único que não foi convocado foi aquele jovem rapaz, que estava com a perna quebrada…”
Assim acontece na vida, o que é bom ou ruim depende do que vem depois. O que parece ser ruim num momento pode ser bom no futuro.
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Na véspera deste Shabat acenderemos a terceira vela de Chánuka, revivendo o milagre do óleo da Menorá, que era suficiente apenas para um dia mas durou oito dias. Na festa de Chánuka também agradecemos à D'us pela nossa salvação milagrosa. O império grego, maior potência da época, tentou conquistar o mundo inteiro e impor sua cultura helenista. Quando os gregos chegaram a Israel, tentaram impor sua cultura sobre nós, inicialmente com paz e depois com decretos e perseguições. Ele impurificaram o nosso Beit-Hamikdash (Templo Sagrado) e proibiram o cumprimento de algumas Mitzvót. Os judeus resistiram bravamente e, através de um grande milagre, conseguiram expulsar os gregos.
Mas por que precisamos agradecer a D'us a vitória sobre os gregos? Imagine que uma pessoa, ao passar na rua, seja covardemente atacada por um estranho armado com uma barra de ferro, que lhe golpeia a perna e quebra seu osso. Imediatamente o agressor se identifica como sendo um famoso médico ortopedista e oferece ao agredido um tratamento completo e gratuito para a fratura. Alguém agradeceria a este médico pela “ajuda”? Obviamente que não, teria sido muito melhor se ele não tivesse quebrado a perna. Segundo o judaísmo, D'us controla tudo, não há nem mesmo uma folha de árvore que cai sem o Seu consentimento. Se os gregos nos atacaram e nos dominaram por algum tempo, foi com a aprovação de D'us. Então por que temos que agradecer pela nossa salvação milagrosa, não teria sido muito melhor se os gregos não tivessem nem mesmo nos atacado? Por que D'us não evitou todos os sofrimentos que passamos por causa da ocupação grega?
Neste Shabat lemos a Parashá Miketz, que sempre coincide com a festa de Chánuka. A Parashá continua contando sobre a vida de Yossef no Egito, desde que ele era um escravo na prisão até chegar ao posto de vice-rei do Egito, o segundo homem mais poderoso do mundo. A Parashá também descreve o reencontro de Yossef com seus irmão, que não o reconheceram. Yossef aproveitou para testar seus irmãos, causando-lhes várias dificuldades para ver como reagiriam. E o mais incrível é que em nenhum momento os irmãos de Yossef reclamaram com D'us, apesar de todas as dificuldades e sofrimentos pelos quais passaram. A Parashá vai desenvolvendo a história até que, justamente no clímax, quando Yossef forja o roubo de um cálice de prata e utiliza o fato como justificativa para prender seu irmão mais novo, Binyamin, para o desespero dos outros irmãos, a Parashá termina. Por que a Parashá pára bem no meio da história? E além disso, qual a relação entre a festa de Chánuka e a Parashá Miketz?
Como estamos acostumados e enxergar a vida? Como uma sucessão de bons e maus momentos. Temos dias bons, onde parece que tudo está dando certo, e dias ruins, onde parece que tudo está programado para dar errado. Ficamos contentes quando as coisas dão certo, isto é, quando tudo sai como planejamos, mas ficamos extremamente aborrecidos quando não conseguimos colocar em prática o que tínhamos planejado. Porém, esta não é a visão judaica. Segundo o judaísmo, os dias “ruins” também são bons, são tão importantes, ou até mesmo mais importantes, do que os dias “bons”.
Tudo o que acontece tem um motivo. Por que D'us nos entregou nas mãos dos gregos? Pois os judeus cumpriam as Mitzvót e estudavam Torá, mas faziam de uma maneira automática, sem emoção, sem sentimento. O Serviço Divino era sentido por todos como um peso, apenas como uma obrigação desagradável. D'us se comportou conosco “Midá Kenegued Midá” (medida por medida), isto é, da maneira que nos comportamos com Ele, assim Ele se comportou conosco. Já que mostramos que o Serviço era algo pesado, Ele nos tirou o Serviço do Beit-Hamikdash. Os gregos nos dominaram e começaram a nos proibir o cumprimento das Mitzvót e o estudo da Torá. Foi então que muito judeus despertaram. Quando viram a Torá ameaçada, se levantaram como leões para defendê-la. Lutaram com todas as forças. Lutaram até saírem vitoriosos. Eles trouxeram de volta a alegria, o orgulho e o entusiasmo no cumprimento das Mitzvót. Era o que estava faltando. Neste momento D'us fez a Sua parte e nos salvou.
Portanto, não comemoramos apenas a nossa libertação, mas também as dificuldade e sofrimentos que fizeram a salvação necessária. Pois, na realidade, os sofrimentos e a salvação são uma coisa só, indivisível. A salvação foi conseqüência do despertar causado pelos sofrimentos. É verdade que em situações normais não agradeceríamos por um médico ter quebrado nossa perna, mas se soubéssemos que tínhamos um grave problema e que somente quebrando a perna e depois engessando-a estaríamos curados, então certamente agradeceríamos também pela perna quebrada. É por isso que Chanuká é considerada a festa do louvor e do agradecimento. Louvor a D'us pela salvação que Ele nos mandou, e agradecimento pelos benefícios que saíram dos sofrimentos pelos quais passamos. Explica o Rabeinu Yona em seu livro Shaarei Teshuvá (Os portões do arrependimento) que uma pessoa que recebe sofrimentos de D'us e com isso desperta e melhora suas características e atos deve se alegrar pelos sofrimentos, pois eles lhe trouxeram um grande benefício. O nível espiritual no qual a pessoa chegou após um certo sofrimento não seria atingido sem este despertar.
Além disso, sabemos que tudo o que D'us faz é para o nosso próprio bem. É por isso que nossos sábios instituíram uma Brachá (benção) para momentos de muito sofrimento, como a perda de um parente próximo, quando pronunciamos “Baruch Dayan HaEmet” (Bendito seja o Juiz da Verdade). Por que “Juiz da Verdade”? Pois nós somos seres de carne e osso, presos no tempo, sem conhecimento do futuro. Somente D'us pode saber as conseqüências de cada coisa que ocorre conosco, e somente Ele sabe como nos fazer chegar ao nosso máximo potencial. Algumas vezes é de uma maneira que entendemos e concordamos, outras vezes é de uma maneira que parece, aos nossos olhos, confusa e ilusória. Somente Ele sabe a verdade e quer o melhor para cada um de nós.
É por isso que a Parashá Miketz termina no auge da história. A história termina quando tudo parece perdido, quando não há mais salvação. Binyamin está preso, a acusação de Yossef parece não ter defesa, não há mais salvação. Onde está a justiça de D'us? Onde está a bondade? É como se D'us estivesse ensinando: “Tenha calma. Virando a página está a salvação. Então você entenderá tudo o que aconteceu”.
O milagre de Chánuka foi, portanto, conseqüência dos sofrimentos e dificuldades. Somente quando despertamos do nosso “sono” espiritual é que D'us mandou os milagres. Se não fossem os sofrimentos, talvez o povo judeu já não existisse mais. Talvez teríamos nos assimilado e virado gregos. Os sofrimentos nos guardaram, nos protegeram. Os sofrimentos e o milagre são, portanto, uma coisa só. Por isso, agradecemos pelos dois.
Os irmãos de Yossef tinham um nível espiritual muito elevado. Por que em nenhum momento eles reclamaram de D'us? Pois eles sabiam que tudo tem um propósito. Ao invés de reclamar, eles refletiram, para tentar entender o motivo pelo qual os sofrimentos estavam chegando até eles. Eles procuraram algum erro que poderiam ter cometido, para poderem melhorar suas características e atos. Eles sabiam que os sofrimentos eram para o bem deles, conseguiam enxergá-los como oportunidades, com ensinamentos de vida. Por isso, não havia motivos para reclamar.
Esta é a lição que fica da nossa Parashá e da festa de Chánuka: as dificuldades são, na verdade, oportunidades de crescimento. Sem elas, ficaríamos estáticos. Com as dificuldades podemos atingir nosso máximo potencial. O sofrimento dura um tempo limitado, mas o nível que atingiremos espiritualmente com nosso despertar durará por toda a eternidade. Vale a pena aproveitar.
SHABAT SHALOM
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