“Shlomo Klein (nome fictício) trabalhava em um enorme frigorífico na Noruega. No final do dia ele entrou em um dos congeladores para fazer uma inspeção de rotina. A porta do congelador escorregou, desprendeu-se da trava de segurança e fechou, deixando Shlomo trancado. Ele tentou bater na porta e gritar, mas sem sucesso. A maioria dos trabalhadores já tinha ido para casa e o som era abafado pelo grosso revestimento do congelador.
Shlomo ficou ali trancado durante cinco horas intermináveis. O frio começou a ficar insuportável, seu corpo tremia e ele se aproximava de um estado de hipotermia. A morte era apenas uma questão de tempo e ele já não tinha mais esperanças de ser salvo. De repente, a porta do congelador se abriu. O porteiro colocou a cabeça para dentro, procurando algo. Ao ver Shlomo quase congelado, veio rapidamente em seu socorro e conseguiu salvar sua vida.
A história ficou famosa e o porteiro tornou-se um herói. Foi até mesmo convidado para dar uma entrevista na televisão. Ao ser questionado por que pensou em abrir a porta do congelador, já que não fazia parte de sua rotina de trabalho, ele explicou:
– Eu trabalho nesta empresa há 35 anos. Centenas de trabalhadores entram e saem desta fábrica todos os dias. Porém, este judeu é o único que diz “Bom Dia” para mim quando chega de manhã e “Boa noite” no final do dia, quando ele sai. Todos os outros trabalhadores tratam-me como se eu fosse invisível.
Hoje – continuou o porteiro – ele disse “Bom dia” quando chegou, mas eu não escutei nenhum “Boa noite”. Por que isso me chamou a atenção? Pois eu espero seu “Bom dia” e seu “Boa noite” todos os dias. Portanto eu tinha certeza que não havia escutado seu “Boa noite” naquele dia. Como todas as luzes estavam apagadas e não havia mais ninguém na fábrica, imaginei que algo ruim pudesse ter acontecido. Então eu o procurei por toda a fábrica e o encontrei, a tempo de salvá-lo, dentro do congelador” (História Real)
Pode parecer algo simples, mas há pessoas que esperam o dia inteiro apenas para escutar um “Bom dia” e um “Boa noite”. E elas podem estar bem perto de você.
A Parashá desta semana, Reê, trata, entre outros assuntos, de um tema central no judaísmo: a Tzedaká (caridade). E assim está escrito: “Abra sua mão para ele (um homem pobre), você deve emprestar o que ele necessita, qualquer coisa que falte para ele… Você deve certamente doar para ele, e você não deve se sentir mal em seu coração quando doar para ele, pois como recompensa disso D'us te abençoará em todos os seus atos e todos os seus empreendimentos” (Devarim 15:8,10). Mas destes versículos ficam algumas perguntas. O que nos ensina a linguagem “Abra sua mão”? Por que a Torá não diz simplesmente “Doe”? E além disso, por que a Torá se importa como nosso sentimento no momento de doar algo, ressaltando que não devemos nos sentir mal? O que importa não é apenas doar ao pobre o que ele necessita?
O Gaon Mi Vilna, baseado em ensinamentos do Talmud (Baba Batra 9b), nos diz algo impressionante sobre a Mitzvá de Tzedaká. Uma pessoa que dá uma pequena quantia de dinheiro para um pobre recebe 6 Brachót (Bençãos), enquanto alguém que conversa de maneira amigável enquanto dá a mesma quantia recebe outras 11 Brachót adicionais. Mas o que isto quer dizer? Certamente é um comportamento desejável e bonito ser amigável com um pobre, mas por que isto merece quase o dobro de Brachót do que dar ao pobre o dinheiro que ele desesperadamente necessita?
A mesma dificuldade encontramos em outro ensinamento dos nossos sábios. Em “Avót de Rabbi Natan” está escrito: “Se uma pessoa dá para seu amigo todos os presentes do mundo, mas o faz com uma cara mal-humorada, é considerado como se não tivesse dado nada. Mas aquele que cumprimenta seu companheiro com um rosto amigável, mesmo que ele não tenha dado nenhum presente, é considerado como se tivesse dado todos os presentes do mundo”. Como entender estes ensinamentos?
Quando a Torá diz “abra sua mão”, além do entendimento mais simples, que nos ensina a doar sem mesquinharia, quantas vezes for necessário, há um lindo ensinamento oculto nestas palavras. Quando olhamos nossa mão fechada, nossos dedos parecem ser todos iguais. Porém, quando abrimos nossa mão, vemos que os dedos são bem diferentes, alguns maiores, outros menores. Isto nos ensina que, quando vamos doar algo para alguém necessitado, não podemos doar algo “padrão”, precisamos entender as necessidades específicas de cada pessoa, saber exatamente o que ela precisa receber.
Explica o Rav Chaim Fridlander que achamos que cumprimos nossa obrigação de ajudar ao próximo doando bens materiais. Mas a verdade é que o que as pessoas precisam de verdade não se encontra nos bens materiais. As pessoas necessitam da certeza de que existe alguém que se interessa e se preocupa com elas. Um presente é apenas um lembrete de que o doador pensou nas necessidades de seu companheiro e em como alegrá-lo. Se o presente não for acompanhado de um sentimento de calor humano, um sorriso, um rosto alegre, o propósito principal se perdeu e a pessoa não sente que é especial. E ao contrário, se a pessoa dá um sorriso verdadeiro para seu companheiro, mesmo sem dar nenhum presente, ele está dando o que a pessoa realmente precisa: o desejo de se sentir cuidado e querido. Portanto, mostrar interesse por alguém é um ato de bondade maior do que dar Tzadaká, e por isso recebe mais Brachót.
Além disso, nos ensina o Saba Mi Kelem que a Mitzvá de Tzedaká tem uma particularidade: ela não se cumpre apenas com o ato de doar, pois o propósito da Mitzvá de Tzedaká é fazer com que o doador ame ao próximo. Portanto, aquele que dá uma Tzedaká mas não sente a dor do próximo e não sofre junto com ele não cumpriu a Mitzvá de forma completa. Quando doamos algo junto com um sorriso ou um abraço, estamos participamos do sofrimento do próximo e dando para ele mais do que algumas moedas. Estamos dando para ele uma esperança de vida.
Nos ensina o Talmud que certa vez um rabino se encontrou com Eliahu Hanavi em um mercado e perguntou se havia alguém ali que já tinha méritos para receber vida eterna no Mundo Vindouro. Eliahu Hanavi apontou para duas pessoas que, apesar de cumprirem as Mitzvót da Torá, não eram os que recebiam sobre si as maiores rigorosidades. Curioso, o rabino questionou as duas pessoas para saber o que elas faziam de especial. Elas responderam que dedicavam seu tempo para alegrar pessoas que estavam tristes. A tristeza é algo que aproxima a pessoa da morte, como acontece com pessoas depressivas, que se suicidam ou morrem de desgosto. Portanto, aquele que traz de volta a alegria para uma pessoa que estava triste é como se tivesse devolvido a vida para ela. Então D'us se comporta “Midá Kenegued Midá” (medida por medida) com esta pessoa. Da mesma forma que a pessoa deu ao próximo vida, então D'us dá para ela como recompensa a vida eterna.
Se este ensinamento já era importante na época do Talmud, mais ainda se aplica nos nossos dias. Por que vemos tantas pessoas infelizes? Por que tantos jovens, que tem tudo o que o mundo material pode oferecer, se afundam em depressões? Pois atualmente ninguém tem tempo de prestar atenção nos outros. Estamos sempre tão focados nos nossos estudos ou no nosso trabalho que tratamos os outros como se fossem invisíveis. Principalmente pessoas mais simples, como motoristas de taxi, garis ou porteiros. As pessoas podem viver rodeadas de gente, mas se sentem cada vez mais sozinhas. Um pouco de atenção, um sorriso e uma palavra amiga podem mudar a vida de alguém.
Bons presentes às vezes podem custar muito caro. Mas um sorriso, o melhor de todos os presentes, é de graça. Por isso, não temos nenhuma desculpa para não passar o dia inteiro sorrindo para os outros.
“Para franzir a testa, utilizamos 32 músculos. Para sorrir, utilizamos apenas 28. Portanto, sorria, nem que seja por economia”
SHABAT SHALOM
R' Efraim Birbojm