Tudo é para o bem

“Alguns jovens estavam em uma discussão filosófica profunda. Um deles apresentou uma questão provocadora: “Como vocês teriam criado o mundo se vocês fossem D'us?”. Os outros jovens ficaram em silêncio, cada um refletindo e chegando às suas próprias conclusões.
 
– Se eu fosse D'us, mudaria isso, aquilo e aquela outra coisa! – disse o primeiro.
 
– Se eu fosse D'us, teria mudado isso e aquilo também! – respondeu o segundo.
 
Cada jovem que respondia apontava algumas falhas no mundo e sugeria como elas poderiam ser eliminadas. Apenas um dos jovens permanecia em silêncio, pensativo. Quando questionaram sua opinião, ele deu um sorriso e disse, inocentemente:
 
– Se eu fosse D'us, eu teria criado o mundo exatamente com ele é, sem pôr nem tirar nada!”
 
Muitas vezes gostaríamos que as coisas fossem diferentes. Mas nos esquecemos que o mundo foi criado com perfeição e que tudo o que acontece passa pela Supervisão Divina. Não há como melhorar o mundo perfeito que D'us criou, apenas nos resta entender que somos limitados e nunca conseguiremos enxergar o quadro completo como Ele enxerga.

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Na Parashá desta semana, Vaerá, a Torá começa a descrever o processo de libertação do povo judeu da escravidão egípcia e as primeiras das 10 pragas enviadas por D'us. E a Parashá começa com as seguintes palavras: “E disse D'us (Elokim) para Moshé e falou para ele: 'Eu sou Hashem. Eu me revelei para Avraham, para Itzchak e para Yaacov como 'Kel Shakai', mas o Meu nome 'Hashem' não Me fiz conhecer a eles. E também estabeleci com eles Meu pacto, de dar para eles a terra de Knaan” (Shemot 6:2,3). Mas qual a diferença entre os nomes através dos quais D'us se revelou a Moshé e aos patriarcas? E qual a relação com o fato de D'us ter feito um pacto com os patriarcas de dar para eles a Terra de Israel? E por que a Parashá começou com D'us falando estas palavras para Moshé, comparando-o aos patriarcas?
 
A resposta está em um incrível Midrash (Torá Oral) que explica que as palavras destes versículos são uma grande bronca que D'us estava dando em Moshé. Mas para entender a bronca, temos que voltar ao final da Parashá da semana passada, Shemot. Moshé foi pela primeira vez, ordenado por D'us, pedir para o Faraó libertar o povo o judeu e acabar com os terríveis sofrimentos pelos quais os judeus passavam. Porém, ao invés de escutar Moshé, o Faraó endureceu ainda mais o trabalho deles, causando mais sofrimentos ao povo judeu. Quando Moshé viu que o sofrimento do povo havia aumentado, questionou: “D'us, por que Você fez mal a este povo? Por que você me enviou?” (Shemot 5:22).
 
Este questionamento de Moshé desagradou muito a D'us, pois aos patriarcas Ele havia se revelado apenas como 'Kel Shakai', uma forma menos explícita da grandeza e da bondade perfeita de D'us, enquanto para Moshé Ele havia se revelado como 'Hashem' (o Nome de 4 letras: iud – kei – vav – kei), uma forma muito mais explícita. Além disso, D'us havia mandado testes muito difíceis para os patriarcas e havia prometido a eles a Terra de Israel, mas fez com que tivessem que comprar partes da terra por altos preços, como no caso de Avraham, que pagou uma fortuna por um pequeno pedaço de terra para enterrar sua esposa Sara. Apesar de D'us ter se revelado de uma maneira menos explícita e de ter testado os patriarcas, eles nunca questionaram as atitudes Dele. Já Moshé, em sua primeira missão sob o comando de D'us, questionou a Sua bondade.
 
Mas esta bronca que Moshé recebeu desperta um grande questionamento. D'us comparou Moshé aos patriarcas, que tiveram muitos testes em suas vidas e nunca questionaram D'us. Porém, esta comparação não está correta, pois da mesma forma que os patriarcas nunca reclamaram com D'us sobre acontecimentos difíceis em suas vidas particulares, também Moshé não estava questionando D'us sobre acontecimentos difíceis em sua vida particular. Como um líder exemplar e responsável pelo seu povo, ele questionou D'us sobre o aumento das dificuldades e sofrimentos que recaíram sobre os judeus após ele cumprir a sua missão ordenada por D'us. Como Moshé poderia se calar diante do sofrimento do povo do qual ele era responsável, vendo que eles estavam gemendo de dor e não podiam mais suportar o peso dos terríveis sofrimentos e castigos aos quais eles eram diariamente submetidos? Então por que D'us se irritou com a reação de Moshé, se era esta a reação esperada de um verdadeiro líder?
A pergunta fica ainda mais difícil ao observarmos que houve outro momento na história do povo judeu em que Moshé, nosso grande líder, teve que intervir em prol dos judeus. Quando os judeus fizeram o bezerro de ouro no deserto, D'us quis destruir todo o povo. Moshé, em desespero, questionou: “D'us, por que Sua fúria deve queimar contra Seu povo?” (Shemot 32:11). Porém, daquela vez as palavras de Moshé foram escutadas por D'us e o povo foi salvo da destruição. Qual foi a diferença entre a reação de Moshé diante dos sofrimentos da escravidão, que mereceu uma bronca, e a reação diante da ameaça de destruição do povo por causa do bezerro de ouro, que foi louvável?
 
Explica o Rav Yaacov Naiman (Bielorússia, 1909 – EUA, 2009) que a bronca de D'us não foi pela atitude de Moshé, de ter se levantado em defesa do povo judeu. Ao contrário, esta foi a atitude correta, de um verdadeiro líder. A prova disso é que quando Moshé se levantou para implorar pela salvação do povo judeu após o bezerro de ouro, suas súplicas foram escutadas e D'us não se ressentiu de sua atitude. Mas o erro que Moshé cometeu quando se levantou para protestar contra os sofrimentos do povo judeu foi as palavras que ele utilizou. A expressão “por que Você fez mal a este povo?” foi um questionamento sobre a bondade de D'us. Não existe maldade nos atos de D'us. Tudo o que Ele faz é para o nosso bem, e mesmo situações difíceis e sofrimentos são bondades. D'us enxerga o passado, o presente e o futuro, e Ele sabe exatamente o que é o melhor para cada um de nós em cada momento.
 
Apesar do gigantesco nível espiritual de Moshé, sua frase demonstrou uma pequena falha na sua Emuná (fé), ao não perceber que o trabalho mais pesado e o acréscimo de sofrimentos eram para o bem do povo. Alguns comentaristas da Torá explicam que havia uma “cota” de sofrimentos pelos quais o povo judeu precisava passar antes da libertação. Ao aumentar o peso do trabalho, D'us estava acelerando o processo e antecipando o fim da escravidão. É como uma panela que está sobre o fogo e que não pode ser retirada antes do cozimento completo da comida. Ao aumentarmos o fogo, antecipamos o fim do cozimento e podemos tirar a panela do fogo antes. Moshé deveria ter entendido que havia bondade nos atos de D'us, apesar de, aos nossos olhos limitados, parecer algo ruim e negativo.
 
As consequências desta pequena falha de Moshé foram terríveis. Logo após o questionamento dele, D'us respondeu: “Agora você vai ver o que Eu farei com o Faraó” (Shemot 6:1). O Rav Shlomo Itzchaki  (França, 1040 – 1105), mais conhecido como Rashi, explica que estas palavras de D'us não foram apenas um aviso de que a redenção do povo judeu estava efetivamente começando naquele momento, mas as palavras incluíam também um decreto duro contra Moshé. Por que D'us utilizou a palavra “agora”? Para indicar que agora Moshé veria os milagres da saída do Egito, mas futuramente ele não veria os milagres que aconteceriam na conquista da Terra de Israel. Em outras palavras, D'us estava decretando naquele momento que, por causa de sua falha de Emuná, Moshé não entraria em Israel junto com o resto do povo. Apesar de ser um decreto ainda revogável através de Tefilá (reza) e Tzedaká, é um bom indicador de como são duras as consequências da falta de Emuná.
 
Quando olhamos as primeiras palavras da Parashá, “E disse D'us (Elokim) para Moshé e falou para ele: 'Eu sou Hashem'”, há mais um interessante ensinamento. O versículo começa com 'Elokim', um dos nomes de D'us, e termina como 'Hashem' (o Nome de 4 letras: iud – kei – vav – kei), outro nome de D'us. Cada nome de D'us representa uma forma Dele se conectar conosco. 'Elokim' representa a característica de Din (Justiça), enquanto 'Hashem' representa a característica de Rachamim (Misericórdia). Na resposta ao questionamento de Moshé, D'us estava dando-lhe uma lição. Mesmo nos momentos em que Ele está nos julgando, isto é, utilizando Seu atributo de justiça, Ele sempre mistura Seu atributo de misericórdia, visando sempre o nosso bem. Mesmo nos castigos, nas dificuldades e nos sofrimentos, há muito amor de D'us por nós, há muita misericórdia. A Emuná é o que nos dá a força para vencermos estes momentos difíceis.
 
Deste ensinamento fica para nós uma lição muito importante e profunda. Passamos diariamente por testes e dificuldades, que muitas vezes estão acima do nosso entendimento limitado. Os patriarcas conseguiram chegar ao nível de entender que tudo é para o bem, e mesmo as coisas que vão contra a nossa lógica são, em última instância, bondades gigantescas de D'us. Nós também temos este potencial, basta pararmos para refletir um pouco sobre o que acontece em nossas vidas. Quantas vezes olhamos para trás e percebemos que eventos que pareciam negativos foram, na verdade, positivos e nos ajudaram? Quantas pessoas que, por causa de dificuldades que passaram, acabaram se superando e se tornando pessoas de sucesso? Da mesma forma que muitas vezes vemos as bondades de D'us, precisamos ter a Emuná e a humildade de saber que somos limitados, e mesmo quando não conseguimos enxergar imediatamente Sua bondade, precisamos saber que em última instância tudo passa pelo controle e pela supervisão de D'us, que quer apenas o nosso bem. Assim, viveremos mais tranquilos e mais felizes, com a certeza de que há Alguém que o tempo inteiro cuida de nós com atenção e carinho.
 
SHABAT SHALOM
 
Rabino Efraim Birbojm

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