Tzedaká nunca é demais

“O Rav Yoel Teitelbaum zt”l (Império Austro-Húngaro, 1887 – EUA, 1979), mais conhecido como Satmer Rebe, foi um dos maiores “Gabaim Tzedaká” (pessoa que recolhe fundos para distribuir aos necessitados) de sua geração. Todo o dinheiro que chegava às suas mãos, milhares de dólares todos os meses, era imediatamente distribuído entre os pobres e necessitados.
 
Certa vez chegou ao Rebe de Satmer um homem muito pobre, que começou a se queixar das adversidades e dificuldades pelas quais passava na vida. Comentou que havia perdido precocemente sua esposa, e ela havia deixado vários órfãos sob seus cuidados. Disse também que era manco de uma perna, o que causava muita dificuldade para conseguir um bom emprego. Falou ainda que não tinha nem mesmo condições para comprar comida para alimentar seus filhos pequenos. Após desabafar por alguns minutos, com os olhos cheios de lágrimas, o homem estendeu a mão ao Rebe de Satmer para receber algum dinheiro. Como de costume, o Rebe de Satmer ficou muito sensibilizado e deu àquele homem uma boa quantia de dinheiro. Ele se despediu do pobre com muitas Brachót, desejando que sua situação melhorasse. O homem pobre agradeceu e saiu de lá mancando.
 
Após alguns minutos entrou na sala do Rebe de Satmer o zelador da sinagoga. Como ele estava aflito e visivelmente alterado, o Rebe percebeu que havia algo errado. O homem, quase sem fôlego, começou a falar:
 
– Rebe, sabe aquele homem que saiu daqui há alguns minutos, dizendo que era manco? Ele é um mentiroso! Eu o vi saindo da sinagoga mancando, mas quando ele virou a esquina, apoiou o pé no chão e começou a andar normalmente! Além disso, ele disse que era viúvo, mas sua esposa o estava esperando na esquina. Rebe, tudo o que ele contou é mentira!!!
 
O zelador da sinagoga viu que o Rebe ficou agitado com o que escutou. Ele achou que o Rebe o mandaria correr atrás daquele homem para recuperar o dinheiro, já que tratava-se de um impostor. Mas, para sua surpresa, o Rebe deu um grande suspiro e disse:
 
– Uau, que enorme alegria você me deu com esta notícia. Baruch Hashem que este homem não é manco, que ele não é viúvo, e que não existem as dificuldades que ele contou…”
 
Quando damos Tzedaká (caridade) para uma pessoa necessitada, o principal que devemos usar não é a carteira, e sim o coração. 

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Na Parashá desta semana, Terumá, a Torá começa a descrever a construção do Mishkan (Templo Móvel), o lugar onde residia a Presença Divina. O Mishkan também era o local onde eram feitos vários Serviços Divinos, como a oferenda de Korbanót (sacrifícios), a oferenda de incensos e o acendimento da Menorá. Para estes Serviços Divinos foram construídos, junto com a estrutura do Mishkan, vários utensílios, tais como o altar de sacrifícios, o altar de incensos e a Menorá, feitos de ouro puro ou de outros materiais nobres. De onde saíram estes materiais nobres utilizados na construção do Mishkan e de seus utensílios?
 
A resposta está nas primeiras palavras da Parashá: “Fale com os Filhos de Israel e peguem para mim uma doação” (Shemot 25:2). Todos os materiais para a construção do Mishkan e seus utensílios foram doados pelo povo, e cada um doou de acordo com sua vontade. Estes materiais nobres vieram dos objetos preciosos que os judeus pegaram dos egípcios quando estavam saindo do Egito. Nossos sábios ressaltam que há algo interessante na palavra “Terumá” (תרומה), que significa “doação”. As mesmas letras desta palavra, rearranjadas, formam a palavra “Hamotar” (המותר), que significa “o excesso”. Qual a relação entre doações e excessos?
 
Explica o Rav Ytzchak Zilberstain shlita que quando D'us nos julga, Ele utiliza duas medidas: Din (Julgamento) e Cheshbon (Cálculos). Din é o julgamento que leva em consideração somente o ato no momento em que a pessoa o cometeu, enquanto Cheshbon é o julgamento que também leva em consideração os atos da pessoa em outros momentos. Por exemplo, quando alguém com necessidades financeiras pede ajuda a uma pessoa e ela se nega a ajudar, argumentando que não tem condições financeiras, neste momento esta pessoa é julgada por D'us por sua omissão. Como o Din julga a pessoa apenas naquele momento, isto dá para ela o benefício da dúvida e é levada em consideração a possibilidade da pessoa realmente não ter condições de ajudar por estar “apertada”. Mas este julgamento não é encerrado imediatamente, ele fica suspenso, até que na semana seguinte esta mesma pessoa passa o dia inteiro no shopping, “torrando” dinheiro em coisas completamente supérfluas. Neste momento entra o Cheshbon, e a pessoa passa a ser duramente questionada: por que ela não foi comedida nos seus gastos do shopping da mesma maneira que foi comedida nos seus gastos de doação aos necessitados? Onde foi parar a dificuldade financeira que não a deixava ajudar os pobres? O Cheshbon prova que, na verdade, a “falta de dinheiro” era apenas uma desculpa egoísta para não ajudar alguém com necessidades.
 
Este conceito ajuda a responder nossa pergunta. Quando D'us encontra na casa de uma pessoa certos excessos, esta pessoa é imediatamente colocada em um grande teste. Pelos móveis caros da casa, é perceptível que o dono não se importa em gastar dinheiro e está disposto a esbanjar, sem peso na consciência, altas quantias em coisas completamente desnecessárias e luxos apenas ostensivos. Isto é considerado “excesso”, pois a pessoa não necessita realmente de grande parte das coisas que compra. Então D'us fica aguardando o momento em que um pobre ou alguém recolhendo dinheiro para alguma causa importante for bater na porta daquela pessoa. Neste momento, no qual a pessoa tem a possibilidade de gastar seu dinheiro fazendo uma doação, D'us observa se a quantia doada será proporcional aos gastos com as coisas supérfluas da casa. Será que a mesma característica de ser “mão aberta” demonstrado na compra daquele magnífico sofá na loja mais cara da cidade se repetirá quando o assunto em questão for os gastos com Mitzvót?
 
Portanto, esta é a relação entre “doação” e “excesso”. Enquanto para os nossos luxos pessoais, nosso “excessos”, não medimos gastos, será que o mesmo acontece em relação à nossa ajuda aos necessitados? Nosso Ipad precisa ser o mais moderno e o nosso Iphone precisa ser o mais atual, mas será que nossos gastos com Tzedaká também são assim tão “caprichados”? Achamos que testes são apenas as dificuldades e os desafios pelos quais passamos, mas na verdade todas as coisas boas que D'us nos dá também são testes. Por exemplo, quando Ele nos dá dinheiro em abundância, Ele está testando se utilizaremos a Brachá (benção) que recebemos para também beneficiar pessoas menos favorecidas ou se utilizaremos de forma egoísta o que Ele nos presenteou. Por isso nossos sábios nos advertem que o teste da abundância é ainda mais difícil do que o teste da escassez.
 
Porém, se por um lado vimos que há uma enorme cobrança se tivermos a possibilidade e não dermos Tzedaká aos necessitados, por outro lado nossos sábios ressaltam os enormes benefícios recebidos por aqueles que dão Tzedaká e ajudam a sustentar os pobres e necessitados. Quando cumprimos qualquer Mitzvá da Torá, os méritos adquiridos ficam guardados para o Olam Habá (Mundo Vindouro), mas neste mundo não recebemos nenhum tipo de recompensa, como afirma o Talmud (Kidushin 39b) “Não há recompensa pelas Mitzvót neste mundo”. Outra fonte do Talmud (Eruvin 22a) também afirma: “Hoje (no Mundo Material) é para cumpri-las (as Mitzvót), e amanhã (no Mundo Vindouro) é para receber suas recompensas”. Mas em relação à Mitzvá de Tzedaká o Talmud (Taanit 9a) afirma: “Doe seu dízimo (aos pobres e necessitados) para que você possa enriquecer”. Isto quer dizer que, diferente do que ocorre nas outras Mitzvót, aquele que dá Tzedaká já recebe uma recompensa neste mundo, sem perder o que está guardado para ele no Mundo Vindouro.
 
A palavra “Tzedaká” normalmente é traduzida como “caridade”, mas a tradução correta é “justiça”. Significa que, quando uma pessoa que recebeu de D'us muitos bens ajuda alguém em piores condições, ela não está fazendo uma bondade, e sim um ato de justiça. Afinal, para que D'us deu para ela tanto dinheiro, para que ela gastasse de forma egoísta com excessos ou para que utilizasse para transformar este mundo em um lugar melhor? É indiscutível que o mundo material nos dá muitos prazeres, mas certamente não há prazer e alegria maior do que saber que fizemos a diferença na vida de alguém que precisava de ajuda.
 

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