Shimon Waisberg (nome fictício) era um judeu israelense afastado. Conhecia pouco das Halachót (Leis Judaicas) e não sabia cumprir nem mesmo as Mitzvót mais básicas. Certo Shabat ele estava circulando de carro em um bairro religioso, onde normalmente não circulam carros no Shabat, quando de repente viu uma criança que, vinda do nada, atravessou correndo a rua bem na frente do carro dele, sem olhar para os lados. Apesar de ter freado, Shimon não conseguiu evitar a forte colisão. A criança voou longe e, gravemente ferida, foi levada às pressas ao hospital. Em poucos dias Shimon foi julgado e absolvido, pois o juiz considerou que a culpa foi exclusivamente da criança. Porém, apesar da absolvição legal, a consciência de Shimon não o deixava tranquilo, e ele ficava o tempo todo pensando no pobre menino e em sua família. Sem conseguir dormir nem comer direito, ele decidiu ir ao hospital visitar a criança e oferecer ajuda à família. Chegando lá, ele entrou no quarto e viu a criança na cama, em condições críticas. A mãe, muito abatida, estava sentada ao lado da cama, rezando pela recuperação do filho. Shimon, muito emocionado e envergonhado, disse em voz baixa:
– Sinto muito pelo seu filho, não foi minha culpa. Há algo que eu posso fazer por vocês?
– Sim – respondeu a mãe do garoto – Por favor, a partir de hoje comece a guardar o Shabat.
Shimon ficou chocado. Aquela mulher, mesmo diante de uma situação tão difícil, vendo seu filho entre a vida e a morte, conseguia estar conectada com sua espiritualidade. Ela poderia ter exigido uma compensação financeira, poderia ter respondido de maneira ríspida e grosseira. Mas, ao contrário do que Shimon esperava, ela foi gentil e se preocupou com a espiritualidade dele. Shimon se interessou em conhecer o que havia de especial dentro do judaísmo que dava forças tão incríveis para aquela mulher. Em pouco tempo ele se tornou um “Baal Teshuvá” (pessoa que retorna ao cumprimento da Torá e das Mitzvót). Em seu casamento, que seguiu cada detalhe da Halachá, todos da família daquela criança atropelada, que felizmente já havia se recuperado completamente, foram os convidados de honra. (História Real)
Nesta semana lemos a Parashat Miketz, que continua contando a história de Yossef, em especial a mudança repentina que ocorreu em sua vida, quando ele passou de um simples prisioneiro a vice-rei do Egito. Apesar de Yossef ser muito bonito e muito poderoso, e apesar de estar em um lugar espiritualmente baixo, de materialismo e promiscuidade, ele nunca se corrompeu. É por isso que, entre todos os nossos antepassados, foi ele que recebeu o “apelido” de Yossef “Hatzadik” (o Justo), em especial por seu autocontrole diante de tantos testes e desafios. Também neste Shabat continuamos a comemoração da Festa de Chánuka. Como esta característica de Yossef, de ter um autocontrole acima do normal, se conecta com a Festa de Chánuka?
A resposta começa com uma Mishná (parte da Torá Oral) que afirma: “Há três coroas (no povo judeu): Keter Torá (coroa da Torá), Keter Kehuná (coroa do Sacerdócio) e Keter Malchut (coroa do Reinado), mas o Keter Shem Tov (coroa do bom nome) está acima de todas” (Pirkei Avót 4:13). Porém, esta Mishná apresenta algumas dificuldades. Em primeiro lugar, o que significa a “coroa do bom nome”? Além disso, se a Mishná afirmou que há três coroas, por que listou quatro?
Há um paralelo destas três coroas com os utensílios do Beit Hamikdash (Templo Sagrado) que ficavam no “Kodesh”, a parte mais sagrada. O Talmud (Yoma 72b) nos ensina que três utensílios tinham um “Zer”, que literalmente significa “borda”. É como se os utensílios tivessem em sua borda uma coroa, e as coroas destes três utensílios representam as três coroas mencionadas na Mishná. O Aron Hakodesh (Arca Sagrada) ostenta a coroa da Torá, o Mizbeach HaZahav (Altar de incenso) ostenta a coroa do Sacerdócio e a Shulchan (Mesa dos Pães) ostenta a coroa do Reinado.
Porém, a verdade é que no Kodesh havia quatro utensílios, não apenas três, pois lá também ficava a Menorá de ouro. O Midrash (parte da Torá Oral) explica que a Menorá ostenta a quarta coroa trazida no Pirkei Avót: a coroa do bom nome. Mas se olharmos os detalhes da Menorá, perceberemos que ela era diferente dos outros três utensílios, pois ela não tinha nenhuma coroa. Na verdade a Menorá não tinha nem mesmo bordas delimitadas como nos outros utensílios. Então como a Menorá pode representar a coroa do bom nome se ela não tinha fisicamente nenhuma coroa?
Explica o Rav Yehuda Loew zt”l (Polônia, 1525 – República Checa, 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, que embora a Menorá não tivesse nenhuma borda física que pudesse conter uma coroa, sua coroa era representada pelas chamas das lâmpadas que a delineavam. Isto significa que os três utensílios anteriores tinham uma borda limitada, enquanto a chama da Menorá era uma borda sem limites. Portanto, a coroa da Menorá reflete o conceito de que o bom nome é superior às outras três qualidades citadas anteriormente. Mas ainda fica a dúvida de qual é o real entendimento do conceito de “coroa do bom nome”. Além disso, sabemos que a Menorá é o símbolo da Festa de Chánuka. Então qual é a relação entre Chánuka e a coroa do bom nome?
Se prestarmos atenção, perceberemos que há uma diferença intrínseca entre as quatro coroas citadas no Pirkei Avót. Enquanto as três primeiras coroas são qualidades que dependem da própria pessoa (Torá, Sacerdócio e Reinado), o bom nome é algo que não depende da própria pessoa, e sim de como os outros a percebem. Mas ficar se esforçando apenas para encontrar apreciação aos olhos dos outros é algo elevado e saudável para o ser humano? É isto que significa construir um bom nome, algo que está acima das outras qualidades?
A resposta está em um incrível ensinamento do Talmud (Yoma 35b), que afirma que o comprometimento com o estudo de Torá do grande sábio Hilel, que vivia nas mais severas condições de miséria, obriga todos aqueles que são pobres a estudarem Torá. Já o estudo de Torá do Rav Elazar ben Charsum, o homem mais rico da época, obriga todos aqueles que são milionários a estudarem Torá de uma forma fixa e séria, apesar das preocupações com os negócios. E Yossef HaTzadik, cuja beleza e poder chamavam a atenção de toda as mulheres no Egito, ao demonstrar um incrível poder de autocontrole e retidão ao recusar as insistentes investidas da esposa do Potifar, uma mulher extremamente atraente, obriga todos a controlarem seus impulsos e demonstrarem autocontrole mesmo nas situações mais difíceis.
Mas qual é a mensagem transmitida por este ensinamento do Talmud? Já não estamos obrigados a fixar nosso tempo de estudo de Torá diariamente, independente do nosso status financeiro? Não temos de qualquer maneira a obrigação de controlar os nossos impulsos e evitar qualquer tipo de prazer proibido na vida? Então por que o Talmud traz estes três exemplos como se fossem a fonte da nossa obrigação?
Existe algo interessante na psicologia do ser humano. As pessoas normalmente estão cientes de suas responsabilidades e obrigações na vida, porém também estão cientes de que há situações que estão além do seu controle e que, nestes casos, elas não podem ser responsabilizadas por seus atos. Este conceito de “força maior”, isto é, se deparar com situações que estão fora do nosso controle, acaba tornando-se uma desculpa para os nossos comportamentos. Por exemplo, quando a pessoa tem trabalho demais no escritório e se sente impedida de ir para a sinagoga estudar Torá, ou quando a pessoa está presa em uma situação da qual ela não consegue se libertar, ela se sente completamente isenta de responsabilidades, pois considera que nestas condições todos os seus atos são justificáveis.
Porém, como medimos as situações de dificuldade para decidirmos se são realmente situações de “força maior” ou não? Não fazemos isso de acordo com os nossos próprios acertos e erros, e sim comparando com os acertos e erros dos outros. Baseados em padrões criados por outras pessoas nós determinamos se certa situação com a qual nos confrontamos está além do nosso controle. Se nós vemos outros tropeçando em certas dificuldades que nós também estamos enfrentando, sentimos imediatamente um alívio, pois consideramos que é algo que está além da nossa capacidade de controle.
Este é o grande louvor que o Talmud traz para os três grandes Tzadikim citados, Hilel, Rav Elazar e Yossef. Qualquer pobre poderia argumentar que suas dificuldades financeiras são uma “força maior” que o isentam de suas obrigações no estudo da Torá e em outras Mitzvót. O mesmo ocorreria para pessoas muito ricas ou muito bonitas. Mas a grande realização destes três Tzadikim foi que eles estabeleceram novos padrões, e assim elevaram nossos modelos de comparação, ensinando que mesmo em situações muito difíceis ainda somos plenamente responsáveis por nossos atos. Eles se enxergaram como sendo independentes dos padrões estabelecidos pelos que estavam em sua volta. Foi justamente por isso que conseguiram transcender os padrões e estabelecer novos limites. Eles demonstraram que é humanamente possível atingir estes limites, e que tudo depende do nosso próprio esforço. Depois das conquistas deles, colocar a culpa na quantidade de trabalho ou nas dificuldades financeiras tornaram-se apenas desculpas.
É justamente esta habilidade de criar uma nova realidade, através da qual as pessoas precisam comparar os seus esforços com os esforços das pessoas que alcançaram níveis mais altos, é o que os nossos sábios chamam de “bom nome”. Na realidade o bom nome não é uma quarta coroa, e sim o título conferido àqueles que estabeleceram novos padrões de excelência nas três coroas anteriores. É por isso que a Mishná diz que a “quarta” coroa está acima das três anteriores, pois é a coroa daqueles que superaram os limites e se tornaram novos modelos do povo judeu.
Isto também nos remete diretamente à Festa de Chánuka, simbolizada pela Menorá. O clima na época da dominação grega era de tristeza e submissão. Mas os Chashmonaim, um pequeno grupo de Cohanim, se levantaram com coragem e enfrentaram o poderoso exército grego. Eles também decidiriam que não queriam acender a Menorá com óleo impuro, apesar de ser permitido pela Halachá (Lei). Através destes esforços eles definiram novos padrões de pureza e de “Messirut Nefesh” (comprometimento com os valores judaicos, independente do custo). Por isso o conceito de “Shem” (nome) é encontrado em vários símbolos de Chánuka: no “Shemen” (óleo), na quantidade de dias que o milagre durou (Shemone=oito), nos Cohanim que ajudaram a libertar o povo judeu (Chashemonaim), e finalmente na Menorá, que carrega a coroa do bom nome.
Podemos nos contentar em ficar dentro dos limites estabelecidos pelos outros à nossa volta, ou podemos decidir que queremos ultrapassar estes limites. No judaísmo o número 7 representa o natural, enquanto o número 8 representa o sobrenatural. É por isso que Chánuka representa o potencial do povo judeu de transcender. Que possamos utilizar a força espiritual de Chánuka para vencer nossas dificuldades, derrotar o comodismo e superar os nossos limites.
SHABAT SHALOM e CHÁNUKA SAMEACH
Rav Efraim Birbojm