Ultrapassando seu potencial

“Um fazendeiro possuía terras ao longo do litoral. Ele constantemente anunciava estar precisando de empregados, mas a maioria das pessoas estava pouco disposta a trabalhar em sua fazenda, pois temia as terríveis tempestades que varriam aquela região, fazendo estragos nas construções e plantações. Procurando por novos empregados, o fazendeiro recebeu muitas recusas. Finalmente, um homem baixo e magro, de meia-idade, se mostrou interessado.
 
– Você é um bom lavrador? – perguntou o fazendeiro, desconfiado.
 
– Bem, eu posso dormir enquanto os ventos sopram – respondeu o pequeno homem.
 
Embora confuso com a resposta, o fazendeiro, desesperado por ajuda, o empregou. O pequeno homem trabalhou bem, mantendo-se ocupado do alvorecer até o anoitecer. O fazendeiro estava muito satisfeito com o trabalho de seu novo funcionário. Então, certa noite, um vento ruidoso veio anunciando uma forte tempestade que se aproximava. O fazendeiro pulou da cama, agarrou um lampião e correu até o alojamento do empregado. Sacudiu o pequeno homem e gritou:
 
– Levante rápido! Uma tempestade está chegando! Amarre as coisas antes que tudo seja arrastado!
 
O pequeno homem virou-se na cama e disse tranquilamente:
 
– Não, senhor. Eu lhe falei que posso dormir enquanto os ventos sopram.
 
Dizendo isso, deitou-se para o outro lado e voltou a dormir. Enfurecido pela resposta descarada, o fazendeiro quis despedi-lo imediatamente, mas se apressou em sair para preparar tudo antes da tempestade. Trataria depois daquele empregado preguiçoso. Porém, para seu assombro, ele descobriu que todos os montes de feno já tinham sido cobertos com lonas firmemente presas ao solo. As vacas estavam bem protegidas no celeiro, os frangos estavam bem guardados nos viveiros, as portas estavam muito bem travadas e as janelas estavam bem fechadas e seguras. Tudo estava amarrado e bem preso, nada poderia ser arrastado pela tempestade. Somente então o fazendeiro entendeu o que seu empregado quis dizer sobre “dormir enquanto o vento soprava”. Aquele não era apenas um bom trabalhador, era bem melhor do que o fazendeiro imaginava”.
 
Existem trabalhadores que fazem seu trabalho de maneira correta e honesta, mas existem alguns poucos que fazem ainda mais do que é esperado deles. O mesmo vale na vida, pois muitos se esforçam para alcançar seu potencial espiritual, mas há aqueles que conseguem se superar e ultrapassar seus próprios limites. 

Nesta semana lemos a Parashá Vayechi (literalmente “E viveu”), que conta sobre a morte do nosso último patriarca, Yaacov Avinu. Ele viveu seus últimos anos no Egito, após o reencontro com seu filho Yossef. Antes de falecer, Yaacov falou suas últimas palavras para cada um de seus filhos. Alguns receberam Brachót (Bênçãos), enquanto outros foram repreendidos por algum ato errado ou por algum traço de caráter negativo. Mas talvez a Brachá que mais chama a atenção é a que Yaacov deu a Efraim e Menashé, seus netos, filhos de Yossef. Assim Yaacov disse para eles: “Israel (o povo judeu) será abençoado através de vocês, dizendo: 'Que D'us possa fazer de você como Efraim e Menashé' ” (Bereshit 48:20). Esta Brachá de Yaacov é utilizada na noite de Shabat e na véspera de Yom Kipur, quando os pais abençoam seus filhos com estas palavras.
 
Porém, esta Brachá de Yaacov desperta um enorme questionamento. Sobre personagens incríveis como Avraham, Ytzchak, Yaacov e Moshé, a Torá se alongou bastante, descrevendo os enormes testes que eles venceram na vida e os traços de caráter desenvolvidos por cada um deles. Já em relação a Efraim e Menashé, a Torá não conta absolutamente nada sobre suas vidas e sobre seus traços de caráter. Então, entre todas as personalidades da Torá e entre todos os personagens ilustres da história do povo judeu, por que justamente Efraim e Menashé foram os escolhidos para serem eternos modelos para os filhos do povo judeu? O que Yaacov percebeu de tão especial neles?
 
Explica o Rav Shmuel Hoiminer zt”l (Bielorússia, 1913 – Israel, 1977) que os filhos e netos de Yaacov estiveram sempre perto dele, recebendo uma forte influência espiritual de crescimento e temor a D'us. Quando Yaacov voltou para Israel, saindo da casa de Lavan, seus filhos e netos puderam também estar perto de Ytzchak, um incrível modelo de santidade. Por muitos anos eles puderam viver na Terra de Israel, uma terra sagrada, se dedicando ao estudo da Torá.
 
Mas não foi assim com Efraim e Menashé. Diferente dos outros filhos e netos de Yaacov, eles nasceram e cresceram no Egito, uma terra estranha e imersa em impureza espiritual. Eles estavam distantes da sagrada Terra de Israel e da influência positiva dos patriarcas. Além disso, como Yossef era o vice-rei do Egito, um homem extremamente poderoso, em sua casa entravam e saíam constantemente ministros, magos e pessoas importantes. Efraim e Menashé cresceram rodeados de riqueza, poder e luxúria.
 
O que se poderia esperar da educação de Efraim e Menashé? O normal seria eles terem se tornado crianças mimadas, acostumadas ao luxo e à ostentação. Rodeados pelas idolatrias e promiscuidades egípcias, dificilmente eles conseguiriam manter a retidão e o temor a D'us. Yaacov, quando escutou que seu filho Yossef havia passado 22 anos no Egito, achou que ele já havia morrido espiritualmente. Porém, quando Yaacov chegou ao Egito, ficou impressionado ao perceber que Efraim e Menashé não haviam sido afetados pela impureza egípcia e nem por todo o materialismo que os cercava. Eles não admiravam o grande império egípcio e não haviam aprendido nenhum dos seus costumes e condutas. Eles haviam sido educados no colo de Yossef, com um incrível temor a D'us, apesar de todas as dificuldades. Certamente não havia sido um caminho repleto de rosas. Sem dúvida eles passaram por muitos testes e se depararam com dificuldades enormes em seu caminho, mas conseguiram vencer e superar todos os obstáculos, se blindando contra qualquer influência negativa egípcia.
 
Foi exatamente por este motivo que Yaacov escolheu Efraim e Menashé como modelos de todas as crianças do povo judeu. Pelo seu poder de superação e pela capacidade de vencer as dificuldades sem se deixar influenciar pelos maus exemplos em volta. É uma Brachá importante para todo o povo judeu, em todas as épocas, mas principalmente quando estamos no exílio, cercados de ideias estranhas ao judaísmo e de más influências.
 
Porém, de acordo com o Rav Yaacov Wainberg zt”l (EUA, 1923 – 1999), há um entendimento mais profundo nesta Brachá de Yaacov. A esperança de todos os pais é conseguir ver seus filhos tendo sucesso na vida. E o que significa sucesso? É conseguir completar nosso potencial. Mas Efraim e Menashé fizeram mais do que isso. Eles ultrapassaram seu potencial, eles alcançaram mais do que Yossef esperava deles. As tribos de Israel foram formadas por cada um dos filhos de Yaacov. Porém, Efraim e Menashé, apesar de serem apenas netos de Yaacov, atingiram um status tão elevado quanto o dos filhos de Yaacov, a ponto de cada um deles ter se tornado uma tribo em Israel. Efraim e Menashé tinham seu lugar dentro do acampamento do povo judeu no deserto e receberam suas porções na Terra de Israel, além de várias outras implicações. Tudo isso foi uma consequência de Yaacov, com sua Brachá, ter elevado Efraim e Menashé ao mesmo nível das outras tribos. E foi justamente esta a Brachá que Yaacov quis dar para todo o povo judeu: que não apenas possamos cumprir o nosso objetivo na vida, mas que possamos ultrapassá-lo, como fizeram Efraim e Menashé.
 
Infelizmente vivemos muito longe desta realidade. Não apenas não ultrapassamos nossas expectativas espirituais, mas acabamos nem mesmo as alcançando. De acordo com o Zohar, uma das principais fontes místicas judaicas, a alma da pessoa, alguns instantes antes do seu falecimento, dá um grito que pode ser escutado de um extremo do mundo ao outro extremo. O que é este grito, que pode ser ouvido em todos os mundos espirituais? No momento em que a pessoa está pronta para sair deste mundo, D'us mostra para ela uma imagem do que ela deveria ter alcançado durante sua estadia temporária no mundo material. A alma fica desesperada ao perceber a enorme diferença que há entre o que ela deveria ter alcançado e o que ela realmente alcançou. Neste grito amargo, que ecoa em todo o universo, é como se a alma estivesse dizendo: “Pobre de mim, que não cheguei nem perto do meu potencial!”.

Por isso, devemos nos inspirar em Efraim e Menashé. Em primeiro lugar, saber que nenhum sucesso espiritual vem sem esforço. E em segundo lugar, lembrar que devemos almejar em nossas vidas alcançar até mais do que o nosso potencial. Se nos esforçarmos muito neste mundo, como fizeram Efraim e Menashé, e não desistirmos diante das dificuldades, poderemos “dormir tranquilamente enquanto os ventos sopram”.

SHABAT SHALOM

R' Efraim Birbojm

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