Com paciência e sabedoria, um professor ensinava seu aluno a ler a Torá. Quando chegou a um determinado versículo, vendo que o rapaz não sabia pronunciar uma palavra, o professor explicou:
– Estas duas letras “yud” juntas representam o sagrado nome de D'us, que não deve ser mencionado a não ser em ocasiões especiais. Este nome é tão sagrado que muitas vezes ele não é nem mesmo escrito nos livros, e sim substituído por estas duas letras “yud”. Portanto, quando estas letras aparecerem, substitua por “Hashem”, que significa literalmente “o Nome de D'us”.
Com este novo entendimento, o menino tentou ler sozinho. Mas na conclusão de cada versículo, para a surpresa do professor, o aluno dizia “Hashem”.
– Onde você vê o Nome de D'us após cada versículo? – perguntou o professor, curioso.
O menino apontou os dois pontos que apareciam no final de cada versículo. Eram pontos que lembravam duas letras “Yud”, mas que ficavam um em cima do outro e separavam os versículos. O professor sorriu e explicou:
– Meu querido, um judeu é representado pela letra “yud”. Quando dois “yud” estão lado a lado, unidos, D'us fica feliz e habita ali. Estes são os dois “yud” que são pronunciados como o Nome de D'us. Porém, se um judeu fica acima do outro, significa que eles não estão em harmonia, e então D'us não habita ali. Estes são os dois “yud” do final de cada versículo. Eles representam o fim, não o sagrado Nome de D'us.
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Na Parashá desta semana, Vaietse, a Torá descreve uma experiência sobrenatural pela qual passou nosso terceiro patriarca, Yaacov. Para fugir da fúria de seu irmão Essav, ele partiu para o exílio, para a terra de seu tio Lavan, pai de suas futuras esposas Rachel e Léa. Quando escureceu, Yaacov estava no lugar onde futuramente seria construído o Beit Hamikdash (Templo Sagrado), e ali ele deitou para dormir. Durante a noite, ele sonhou com uma escada que chegava até o céu, de onde desciam e subiam anjos. Neste mesmo sonho D'us se revelou para ele e prometeu protegê-lo durante todo o tempo em que estivesse no exílio. Quando Yaacov acordou, ele disse: “Certamente D'us está neste lugar e eu não sabia… Como é incrível este lugar. Aqui é nada menos do que a Casa de D'us, e este é um portão para o Céu” (Bereshit 28:16,17). Mas o que Yaacov quis dizer quando afirmou que aquele lugar era a “Casa de D'us”?
Esta pergunta se conecta com uma intrigante afirmação do Talmud (Pessachim 88a): “Não como Avraham, que chamou (o Templo) de 'montanha', como está escrito: “Na montanha D'us será visto” (Bereshit 22:14), e não como Itzchak, que chamou (o Templo) de 'campo', como está escrito: “E Itzchak saiu para rezar no campo” (Bereshit 24:63), mas como Yaacov, que chamou (o Templo) de 'casa', como está escrito: “Ele chamou o lugar de 'Bet-El' (Casa de D'us)” (Bereshit 28:19). O que os nossos patriarcas estavam nos ensinando ao se referirem ao Templo como uma montanha, um campo e uma casa?
A resposta está nas palavras do Rambam (Maimônides), que ensina que o Beit Hamikdash tinha três propósitos: ser literalmente uma Casa de D'us, isto é, o local onde repousava a Shechiná (Presença Divina); ser um local para a oferenda de Korbanót (sacrifícios); e ser um local para que o povo judeu pudesse subir, três vezes ao ano, para comemorar as Festas Judaicas (Pessach, Shavuot e Sucót) e se inspirar.
Explica o Rav Zev Leff que Avraham referiu-se ao local do Beit Hamikdash como uma montanha, isto é, um lugar onde a pessoa pode subir e se inspirar. Avraham estava referindo-se ao nosso Primeiro Beit Hamikdash, onde a Presença Divina era mais evidente e aconteciam muitos milagres abertos, como a ausência de moscas no local onde os animais eram sacrificados e a coluna de fumaça que subia do Mizbeach (altar de sacrifícios) e que não se desviava nem mesmo com os ventos mais fortes, causando um enorme reforço espiritual em cada judeu que entrava pelos seus portões.
Já Itzchak referiu-se ao local do Beit Hamikdash como um “campo”. O campo é um lugar propício para o crescimento e o desenvolvimento das sementes. Assim também é o Beit Hamikdash, um ambiente que conduz o ser humano ao seu crescimento e desenvolvimento espiritual. Mas o campo não inspira as pessoas como uma montanha alta. Itzchak estava referindo-se ao Segundo Beit Hamikdash, onde a Presença Divina já não era mais tão perceptível e muitos dos milagres que ocorriam no Primeiro Beit Hamikdash já não ocorriam mais no Segundo. Porém, mesmo assim era um lugar incrível para as Tefilót (rezas) e para a oferenda dos Korbanót.
Finalmente Yaacov referiu-se ao local do Beit Hamikdash como a “Casa de D'us”. O que ele queria nos ensinar ao fazer este paralelo com uma casa? Para responder, precisamos antes entender qual é a função de uma casa. Ela é composta basicamente por quatro paredes, uma porta e uma janela, e tem principalmente três funções: criar um domínio interno privado, separado do domínio público; formar um ambiente que envolve e une os indivíduos que vivem nesta área interna; e servir como proteção contra as influências externas hostis. Yaacov estava referindo-se ao nosso futuro Terceiro Beit Hamikdash, que será um lugar com muita santidade, harmonia e proteção contra as más influências.
Por que Yaacov percebeu o aspecto daquele local como sendo a “Casa de D'us” justamente quando estava indo para o exílio? Para nos ensinar que durante o nosso exílio, enquanto ainda não temos o nosso Terceiro Beit Hamikdash construído, o conceito da “Casa de D'us” se materializa através de três locais: a “Casa de Rezas” (Beit Haknesset), a “Casa de Estudo de Torá” (Beit Midrash) e a “Casa judaica”. Estas três “Casas” são as responsáveis por manter o povo judeu vivo mesmo durante a escuridão espiritual do exílio, e nos darão a força necessária para um dia voltarmos para Israel e meritarmos a verdadeira e definitiva “Casa de D'us”: o Terceiro Beit Hamikdash.
Obviamente que não podemos desprezar a santidade necessária nas nossas “Casas de Reza” e nas nossas “Casas de Estudo”, mas será que nos preocupamos com a santidade das nossas próprias casas? Será que entendemos que o nível espiritual dos nossos lares é tão importante quanto o nível espiritual das sinagogas e centros de estudo de Torá?
Precisamos transformar nossas casas em um Beit Hamikdash em miniatura, isto é, devemos criar um ambiente de morais e valores judaicos, um santuário interno de espiritualidade que serve como fundação para o estudo e a observância da Torá. Além disso, nossas casas devem transbordar harmonia e entendimento. O conceito de “Shalom Bait” (paz familiar) refere-se à harmonia perfeita que a casa cria, onde cada indivíduo se sente parte de uma unidade que funciona apenas quando todos trabalham juntos, cada um com seus talentos, para atingir uma meta em comum. E finalmente nossa casa deve ser uma fortaleza, que nos protege dos valores deturpados que vão contra os princípios da Torá e das Mitzvót. Uma vez que a área interna da casa está repleta de santidade e propósito, a luz interior pode ser projetada através da janela, e a intensa santidade deste ambiente familiar pode ser exposta ao mundo externo.
É interessante perceber que estes importantes valores podem ser alcançados através de algumas Mitzvót relacionadas justamente com as nossas casas. Por exemplo, a Mitzvá de acender as velas de Shabat simboliza a santidade que a casa deve produzir e a iluminação dos valores e da ética da Torá. Além disso, as velas de Shabat representam a harmonia que é produzida quando cada um dos membros cuida para não pisar nos outros, pois a luz espiritual criada afasta a escuridão da ignorância e do egoísmo. As Mitzvót da Mezuzá e do Maakê (proteger com um parapeito os locais da casa que possam oferecer perigo, como uma varanda) simbolizam a proteção que a casa oferece contra os perigos físicos e espirituais do mundo externo. A Mitzvá de checar e exterminar o Chametz (farinha fermentada) antes de Pessach nos ensina que, de tempos em tempos, precisamos checar se influências externas estranhas conseguiram invadir nossa casa e, caso isto tenha ocorrido, devemos nos esforçar para removê-las completamente. E, finalmente, a Mitzvá de acender as velas de Chánuka e colocá-las fora de casa ou em uma janela de onde podem ser vistas da rua, simbolizando a influência que uma casa judaica deve ter sobre o mundo externo.
Para sobrevivermos espiritualmente ao nosso exílio e meritarmos o Terceiro Beit Hamikdash, que influenciará positivamente o mundo inteiro, devemos preparar nossas Casas de estudo e nossas Casas de reza para que elas estejam sempre com alto nível de santidade. Mas, acima de tudo, devemos preparar as nossas próprias casas para que elas possam refletir as reais funções da futura “Casa de D'us”, que são a santidade, a harmonia e a proteção contra os valores incorretos.
SHABAT SHALOM
Rabino Efraim Birbojm