Na noite do Sêder de Pêssach, as crianças recitam um trecho da Hagadá muito conhecido por nós, contendo quatro perguntas – o Má Nishtaná. Aparentemente este trecho é muito simples e não traz maiores dificuldades para ser explicado.
Porém se nos aprofundarmos, perceberemos que ele contém os fundamentos por meio dos quais o Povo de Israel adquiriu e continua adquirindo sua liberdade. Referimo-nos aqui não somente à liberdade física (não somos mais escravos do Faraó), mas também à liberdade espiritual, conforme disseram nossos sábios: “En lechá ben chorin ele mi sheossec Batorá” – O verdadeiro homem livre é aquele que se dedica ao estudo da Torá. O estudo da Torá é o remédio para nos libertarmos do Yêtser Hará (mau instinto), pois todo o tempo em que o Yêtser Hará nos domina, somos escravos de coisas materiais, que nos impedem de uma aproximação maior com o Todo-Poderoso, Sua Torá e Suas mitsvot.
Na primeira pergunta (conforme os sefaradim) do Má Nishtaná – todas as noites não mergulhamos sequer uma vez e nesta noite mergulhamos duas vezes (o Carpás na água com sal e o Maror no Charosset) – o termo utilizado pela Hagadá para “mergulhamos” é “metabelin”, que vem da palavra “tevilá” – imersão no micvê. Um indivíduo que estiver em estado de impureza, somente se purifica, após fazer tevilá no micvê. Para alcançar a liberdade, são necessárias duas imersões: a primeira, para libertar-se da impureza e a segunda, para atingir a pureza. Sabemos que a necessidade de purificar-se recai sobre todos nós, conforme disse o Rei Shelomô: “En tsadic baárets asher yaassê hatov velô yechetá” (Cohêlet 7:20) – Não há um indivíduo justo na Terra que só faça o bem e não cometa pecado. Mesmo as pessoas mais justas, acabam come-tendo alguma irregularidade e necessitam purificar-se. Quanto mais nós – pessoas comuns – que estão sempre em atraso no que diz respeito às obrigações espirituais.
Na segunda pergunta (conforme os sefaradim) do Má Nishtaná, mencionamos que todas as noites comemos chamets ou matsá e nesta noite somente matsá.
O chamets, por ser uma comida fermentada e inflada, simboliza o orgulho, e a matsá, por não ter tido a possibilidade de crescer, simboliza a humildade. Uma das qualidades mais louvadas e enaltecidas pelos nossos sábios é a humildade. Moshê Rabênu, o profeta dos profetas foi louvado pelo Todo-Poderoso como o homem mais humilde da face da Terra. A humildade é também uma das condições fundamentais para a nossa liberdade em seu sentido mais amplo, porque, na maioria das vezes, o orgulho se origina em algum complexo que carregamos. Para nos libertarmos dele, é necessário “culô matsá” – somente humildade.
Na terceira pergunta do Má Nishtaná mencionamos, que todas as noites comemos todos os tipos de verduras e nesta noite, comemos maror.
Os outros tipos de verduras simbolizam os desejos materiais – que são uma barreira perante os elementos espirituais – e conseqüentemente, nos impedem da prática das mitsvot. O maror simboliza algo amargo, porque as aquisições espirituais exigem empenho. Muitas vezes travamos uma árdua batalha com o yêtser hará para alcançar êxito em nossa conduta espiritual, como “Torá veêrets Yisrael niknim beissurim” – A Torá e a Terra de Israel são adquiridas com dificuldades.
Na noite do Sêder, somos mais receptivos ao empenho e ao esforço para atingir uma elevação espiritual.
Na quarta pergunta, mencionamos que todas as noites comemos sentados ou reclinados e nesta noite somente reclinados – os quatro cazáyit de matsá e os quatro copos de vinho devem ser consumidos reclinados para a esquerda.
Alguém que está sentado reclinado, necessita de um apoio para não cair. Enquanto alguém que está sentado normalmente, não necessita de nenhum apoio. Durante todo o ano nos apoiamos em nós mesmos, em nossa autoconfiança, e muitas vezes acreditamos que todos os bens materiais que adquirimos foi graças ao nosso esforço pessoal – “Cochi veôtsem yadi assá li et hachayil hazê” (Devarim 8:17).
Na noite do Sêder, reconhecemos que nosso apoio, todo o nosso sustento e tudo o que possuímos é uma dádiva Divina. Depositamos toda a nossa confiança no Todo-Poderoso – “Culánu messubin” – todos reclinados, demonstrando que nosso apoio é o Criador, da mesma forma que nossos antepassados se apoiaram no Eterno no Êxodo do Egito. Conforme disse o profeta em nome de D’us: “Lechtech acharay bamidbar beêrets lô zeruá” (Yirmeyáhu 2:2) – Foste (Congregação de Israel) atrás de Mim no deserto em terra não semeada – o povo de Israel foi para o deserto sem questionar o que comeria e o que beberia. D’us guardou esta lembrança positiva da confiança que o povo depositou Nele e o alimentou com o man durante os quarenta anos que ficou no deserto, além de dar um poço que o abastecia com água (este poço existiu pelo mérito de Miryam).
Nessa noite reconhecemos “Sheên lánu lehishaên ela al Avínu Shebashamáyim” – que nosso único apoio é o Todo-Poderoso.
Baseado no relato do Rabino Eliêzer ben David Shelita
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