“Muitos conhecem o Rav Noach Weinberg zt”l (EUA, 1930 – Israel, 2009), o Rosh Yeshivá (Diretor espiritual) do Aish HaTorá, por sua incrível capacidade de aproximar judeus que estavam completamente afastados da Torá. Porém, poucas pessoas sabem que suas gigantescas conquistas emanavam da mais pura Emuná (fé) e Bitachón (confiança) em D'us. Durante a Shivá (semana de rezas que ocorre após o falecimento de alguém) do Rav Noach Weinberg, sua filha contou uma história incrível, que demonstra o altíssimo nível de conexão que ele tinha com D'us.
Certa vez chegou à Yeshivá Aish HaTorá um jovem rapaz que demonstrou uma inteligência acima do normal. Ele não passou mais do que alguns poucos dias na Yeshivá, mas foi o suficiente para se destacar nos estudos de maneira impressionante. Porém, para a surpresa de todos, certo dia o rapaz arrumou suas coisas e se preparou para voltar aos Estados Unidos. O Rav Noach Weinberg, muito triste por ver um rapaz com um futuro tão promissor nos estudos de Torá abandonar a Yeshivá assim tão de repente, questionou os motivos daquela decisão. O rapaz explicou que, apesar de estar gostando muito da Yeshivá, ele era um jogador profissional de xadrez e estava voltando aos Estados Unidos para participar de uma importante competição.
O Rav Noach Weinberg poderia tentar convencê-lo a ficar com dezenas de argumentos lógicos. Porém, ele não tentou argumentar nem convencer o rapaz a ficar. Ao invés disso, fez um desafio a ele: propôs que eles disputassem uma partida de xadrez, uma única partida, e se o rapaz ganhasse, poderia ir embora e voltar aos Estados Unidos, mas caso o rabino ganhasse, o rapaz ficaria na Yeshivá e continuaria seus estudos e seu caminho de crescimento espiritual.
Para um campeão de xadrez, aquela proposta pareceu uma piada, pois certamente o rabino não estava tão bem preparado quanto ele. Por isso, com um sorriso de satisfação no rosto, o rapaz aceitou o desafio. Porém, o jogo foi ficando extremamente complicado, e o que parecia ser um jogo fácil, que não duraria mais que poucos minutos, se transformou em uma difícil batalha de mais de uma hora. O mais incrível foi que, no final, o Rav Noach Weinberg acabou vencendo.
As pessoas não podiam acreditar naquela vitória. O rabino, que nunca havia revelado a ninguém sobre suas incríveis habilidades no xadrez, havia derrotado um grande campeão! Quando questionado, o Rav Noach Weinberg explicou:
– Eu joguei xadrez poucas vezes na vida, quando ainda era pequeno. No decorrer do jogo eu fui aos poucos me lembrando das regras de movimentação das peças. Eu sabia que através das minhas poucas e limitadas habilidades no xadrez seria impossível vencer o jogo. Porém, eu tive a coragem de propor o jogo pois acreditava, com todas as minhas forças, que se D'us quisesse que aquele rapaz ficasse na Yeshivá, Ele poderia me fazer vencer a partida. E foi isto o que aconteceu.
O rapaz acabou ficando na Yeshivá. Ele estudou com dedicação, tornando-se um aluno brilhante e uma fonte de inspiração para outros jovens. Tudo graças à incrível confiança que o Rav Noach Weinberg tinha em D'us.
Nesta semana lemos a Parashat Yitro que, entre outros assuntos, nos ensina sobre os 10 mandamentos entregues por D'us no Monte Sinai, diante de todo o povo judeu. E o primeiro Mandamento entregue foi: “Eu sou Hashem, teu D'us, que te tirou da terra do Egito, da casa da escravidão” (Shemot 20:2). Este Mandamento refere-se à importante Mitzvá de Emuná. De acordo com o Rambam zt”l (Maimônides) (Espanha, 1135 – Egito, 1204), esta Mitzvá pode ser cumprida ao acreditarmos que há um D'us que é a causa de toda a existência, e que constantemente recria e mantém toda a criação. Porém, há outro conceito fundamental que está conectado com a Emuná: o Bitachon, que é a confiança em D'us. Será que o Bitachon é parte da Mitzvá de Emuná ou é um conceito separado, que não está diretamente conectado a nenhuma Mitzvá específica?
Explica o Rav Avraham Yeshayahu Karelitz zt”l (Bielorússia, 1878 – Israel, 1953), mais conhecido com Chazon Ish, que Bitachon não é algo independente, e sim uma consequência natural da Emuná verdadeira. A Emuná é a obrigação de acreditar em princípios fundamentais sobre D'us, como por exemplo a Hashgachá Pratid (Supervisão particular que D'us tem sobre todo o universo, nos mínimos detalhes), enquanto o Bitachon é a aplicação desta crença nas questões práticas do cotidiano. Se a pessoa acredita na Supervisão de D'us, mas não consegue colocar isto na prática em seu cotidiano, então é um sinal de que há alguma deficiência em sua Emuná.
O Chazon Ish exemplifica isto através de uma pessoa que constantemente expressa sua Emuná de que tudo o que ele tem vem de D'us. Ele declara publicamente que reconhece que seu sustento vem diretamente de D'us e que não há nenhum motivo para ficar preocupado ou ansioso com o futuro. Entretanto, quando alguém abre uma loja concorrente perto da sua, de repente sua Emuná desaparece e ele se torna uma pessoa preocupada e desconfiada. A sua Emuná parecia ser muito forte quando tudo estava indo bem, mas quando ele passou por um teste, falhou em demonstrar o Bitachon necessário. Isto, por sua vez, demonstra que sua Emuná nunca foi completa e verdadeira, e tudo o que ele declarava em público era apenas da boca para fora. Portanto, de acordo com o Chazon Ish, o Bitachon é um aspecto essencial da Emuná, e significa aplicar a Emuná nas situações reais da vida, em especial nos momentos de dificuldade e teste.
O Rav Shalom Noach Berezovsky zt”l (Bielorússia, 1911 – Israel, 2000), em sua obra intitulada “Netivot Shalom”, se aprofunda um pouco mais no conceito de Bitachón. Ele explica que, na realidade, existem dois tipos de Bitachon: um tipo inativo e um tipo proativo. O Bitachón inativo se aplica quando a pessoa se encontra em uma situação difícil e na qual não há nada que ela pode fazer para revertê-la. Nestas circunstâncias, sua “Avodat Hashem” (Serviço Divino) é confiar que tudo o que acontece é, em última instância, para o nosso bem. Já o Bitachón proativo se torna necessário quando é exigido da pessoa que ela faça algo que demonstre sua confiança em D'us. Por exemplo, durante a abertura do Mar Vermelho, Moshé Rabeinu e o povo estavam chorando e clamando a D'us para que Ele os salvasse do exército egípcio, que avançava na direção deles. Em resposta, D'us falou para que eles parassem de rezar e entrassem no mar. Mas por que D'us não abriu o mar Vermelho enquanto o povo judeu estava tranquilamente na praia, como é retratado (de forma completamente equivocada) nos filmes e novelas? Por que a necessidade de entrar no mar revolto e só depois fazer o milagre?
De acordo com o Rav Shalom Noach, para que o povo judeu pudesse ter o mérito de D'us transcender as leis da natureza através da abertura do mar Vermelho, eles deveriam demonstrar uma confiança em D'us que também transcendesse as leis da natureza. Eles deveriam acreditar que, se era a vontade de D'us que eles cruzassem o mar, então eles deveriam ter a confiança de que Ele era capaz de permitir que isto acontecesse, mesmo que eles não tinham a mínima ideia de como seria possível ocorrer na prática. Portanto, se jogar no mar revolto antes da sua abertura foi uma demonstração de Bitachón proativo, que fez o povo judeu ter direito ao mérito do grande milagre da abertura do mar.
A conclusão é que a Emuná verdadeira somente se manifesta em uma pessoa que está disposta a agir com uma inabalável confiança em D'us, com a crença de que, se for a vontade de D'us que ele se comporte de certa maneira, então ele pode, e deve, apesar das dificuldades, fazer o que é correto, e desta maneira D'us permitirá que ele tenha sucesso em seus empreendimentos.
Parece algo difícil de ser alcançado, mas muitas pessoas se esforçaram e conseguiram. Foi com esta certeza que o Rav Noach Weinberg zt”l conseguiu trazer de volta à Torá milhares de judeus que estavam completamente afastados. Ele costumava dizer que quando vemos problemas no mundo, não há nenhum motivo para não sairmos e enfrentarmos as dificuldades quando acreditamos que esta é a vontade de D'us, pois Ele não tem nenhum tipo de limitação ou dificuldade para cumprir a Sua vontade. Para o Rav Noach Weinberg isto não era apenas algo teórico, que ele dizia da boca para fora em momentos de tranquilidade. Em uma época em que o Kiruv (movimento para aproximar judeus afastados da Torá) era praticamente desconhecido no mundo, o Rav Noach Weinberg sentiu a necessidade de fazer algo pelos milhares de judeus que estavam se assimilando no mundo inteiro. Muitas pessoa ridicularizaram seus sonhos e ideais, alegando que não era algo realista, e ele foi chamado por muitos de tolo.
Porém, apesar das dificuldades, sua convicção de estar cumprindo a vontade de D'us deu forças para que ele superasse muitos contratempos e realizasse verdadeiros milagres ao despertar um movimento de Teshuvá (retorno aos caminhos da Torá) que salvou milhares e milhares de judeus de perderem sua identidade judaica. A idealização da gigantesca Yeshivá do Aish HaTorá, que atualmente fica em frente ao Kotel (Muro das Lamentações), um dos lugares mais sagrados do judaísmo, começou em uma pequena salinha no bairro de Kriat Sanz, em Jerusalém, com o Rav Noach Weinberg e mais três jovens que acreditavam no que estavam fazendo.
Mas a incrível Emuná e Bitachón do Rav Noach Weinberg não caíram do céu. Foram anos e anos de um trabalho constante para desenvolver este relacionamento de confiança em D'us. Através de reflexões e do estudo da Torá, ele foi crescendo aos poucos, até atingir este nível de certeza e tranquilidade de que tudo, em cada detalhe, está nas Mãos de D'us. Se tivermos esta claridade, então quando surgirem dificuldades em nossas empreitadas, basta fazermos o nosso esforço e Ele abrirá para nós os mares de dificuldades que surgem em nossas vidas.
SHABAT SHALOM
Rav Efraim Birbojm